Folha de S. Paulo


Preço do livro precisa subir, diz Sonia Jardim, presidente da editora Record

Dois mil e quinze não foi um ano simples para a editora Record. Numa manhã de março, um incêndio atingiu algumas salas do segundo andar da empresa. Em agosto, a casa precisou realizar uma série de demissões.

Parece o suficiente para um ano só? No fim de 2015, Sérgio Machado, presidente do grupo, se afastou da casa após descobrir um tumor na meninge. Em julho deste ano, aos 68, Machado morreu, depois de complicações decorrentes da cirurgia para tratar a doença.

Com a morte daquele que foi considerado um dos editores mais poderosos do país, um novo nome passa a comandar a empresa familiar. Sônia Machado Jardim, 59, irmã do editor, agora é a nova presidente do grupo –e terá Roberta Machado, filha de Sérgio, como vice.

Avener Prado - 27.ago.2016/Folhapress
SAO PAULO, SAO PAULO, BRASIL, 27-08-2016: Sonia Jardim, editora, presidente do Grupo Record. Fotografada no hotel Holiday Inn Anhembi. (Foto: Avener Prado/Folhapress, ILUSTRADA) Código do Fotógrafo: 20516 ***EXCLUSIVO FOLHA***
Sonia Jardim em restaurante de São Paulo, durante a Bienal do Livro

Com formação em engenharia civil, mas há 22 anos na empresa fundada pelo pai com o apoio de Jorge Amado (padrinho de casamento dela, diga-se), Jardim teve sua imagem associada a uma administradora com afinidade com os números.

Esse perfil já aparece no dia a dia. Ela diz que, desde que assumiu, tem pedido aos editores um exercício de botar na ponta do lápis com mais exatidão o projeto de cada livro.

"É bom pensarmos num formato mais racional e menos passional, planejar o tamanho da tiragem e usar a vantagem de termos gráfica própria", diz.

CONCENTRAÇÃO

É preciso fazer cálculos mesmo. Não só por causa da crise econômica que atinge as editoras, agravada pelo fim das compras governamentais, mas porque a casa, embora ainda seja uma das maiores do país, perdeu o título de "maior da América Latina".

No Brasil e nos países vizinhos, o cenário mudou, com a concentração de editoras e a chegada de grupos multinacionais ao país. Nos seus 22 anos de Record, ela viu a ascensão da Sextante e, no último ano, da Companhia das Letras –onde hoje, ironicamente, está a obra de Jorge Amado.

Jardim conversou duas vezes com a Folha sobre os desafios à frente da Record e as questões do mercado editorial, como o preço do livro –com a polêmica proposta de uma lei do preço fixo– e a consignação, que estimula livrarias a praticarem pedaladas fiscais, adiando a prestação de contas para ficar com o dinheiro mais tempo em caixa.

Ela foi presidente do Snel (Sindicato Nacional dos Editores de Livros) e por isso conhece as demandas mais gerais do mercado. Como outros editores, sua percepção é que o preço do livro é barato. E o preço, se as editoras quiserem sobreviver, precisaria subir.

"Esse é o grande dilema. Estamos [as editoras] desde 2004 sem subir preços de acordo com a inflação. Criou-se na cabeça do consumidor as faixas de preço de R$ 19,90, R$ 29,90...", afirma ela.

A presidente da Record saca um número, lembra que o papel subiu 45% em três anos. Afirma que o adiantamento de direitos autorais, pago em dólar, também foi inflacionado com a alta do câmbio –e precisou ser reduzido.

"O autor é nosso sócio. E o casamento com ele é na alegria e na tristeza", afirma, acrescentando que é difícil compensar toda a defasagem de preço em um eventual reajuste.

Em poucas palavras, quando o país crescia, dava para compensar a questão no volume. Agora, não mais.

Apesar disso, ela se diz contra o projeto de lei 49/2015, que pretende estabelecer uma política de preço fixo dos livros no Brasil, defendido pelo Snel. Nos moldes da legislação francesa, o varejo só poderia dar 10% de desconto sobre o preço de cada edição. "Acho politicamente difícil, num país com tanta dificuldade de leitura, se retirar qualquer incentivo", diz.

A questão do preço fixo é que as pequenas livrarias reclamam de não terem condições de vender tão barato quanto as grandes redes –porque, afinal, compram os exemplares das editoras mais caro do que elas. Um preço fixo para as livrarias, e não para o consumidor final, resolveria o problema?

"É preciso combinar com os russos. E os russos cada vez querem mais... Ouvi que isso está ocorrendo com o novo 'Harry Potter', mas só é possível quando se tem um produto forte assim", afirma.

Outra questão que preocupa Jardim é a consignação, pela qual livrarias só pagam pelos exemplares quando eles forem vendidos. Editores costumam expressar uma espécie de desamparo diante da questão.

As redes livreiras costumam atrasar o pagamento para continuar com o dinheiro girando no caixa. É uma pedalada fiscal, mas sem a operação de crédito, porque é raro que paguem juros pelo atraso.

"Com o acirramento da concorrência e a entrada de novas editoras no mercado, muita coisa foi sendo cedida [para as livrarias] ao longo do tempo", diz Jardim.

A concorrência é mesmo uma questão. Pioneira no país na aquisição de editoras menores, a Record teve o lugar de líder ocupado.

"A fusão da Companhia das Letras e da Objetiva muda [o cenário]. No caso da [concorrência da] Sextante, nos prejudicou a falta de vendas para o governo, segmento no qual a Sextante não atua. Era um faturamento importante. Mas vamos retomar nossa posição, é uma questão de trabalho", afirma.

Sob sua direção, a Record poderia ser vendida para enfrentar a concorrência?

"É uma possibilidade, mas no momento isso não está na mesa. Houve tentativas, como quando a LeYa veio para o Brasil, mas não é só dinheiro. Tenho responsabilidade com meus autores."

A editora que Jardim assume também tem um histórico de embates com a Flip, na última década. Primeiro na figura de Sérgio, que em 2004 acusou a festa de ser um evento da Companhia das Letras. Depois, em 2015, com o editor-executivo Carlos Andreazza, que criticou o que via como falta de autores brasileiros.

Jardim estaria disposta a uma reconciliação com o evento? "Conseguimos ocupar um espaço que não na tenda principal. Mas temos muitos autores estrangeiros que poderiam engrandecer a Flip. Um bom acordo é melhor que uma boa briga. Se não for possível, vamos continuar nosso marketing de guerrilha."


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