Folha de S. Paulo


Filmes revelam mundo bizarro de David Lynch e Amat Escalante

Faz dez anos que David Lynch não roda um longa. Enquanto isso, o cineasta americano diversifica a carreira: lançou livro, gravou álbuns e, sobretudo, atuou como artista plástico. Esta última atividade é o foco do documentário "David Lynch: The Art Life", exibido na segunda-feira (5) no Festival de Veneza.

Dirigido por Jon Nguyen, Rick Barnes e Olivia Neergaard-Holm, o filme mostra o cineasta de "Cidade dos Sonhos" (2001) falando de sua visão sobre a pintura, sua primeira paixão. E relembrando a infância, mais banal que muitos poderiam supor.

Um fato o marcou: certa noite, viu uma mulher vagando nua, aos prantos, com a boca suja de sangue. Reproduzida anos depois em "Veludo Azul" (1986), a imagem exemplifica bem o tipo de elemento que atiça a mente de Lynch a criar, na tela de cinema ou de pintura.

Divulgação
David Lynch em cena do documentário
O diretor David Lynch em cena do documentário 'David Lynch: The Art Life'

Lynch surge na maioria das cenas pintando. Ou fumando, enquanto fala aos tropeços –ele próprio poderia ser um dos personagens de seus filmes. O longa é uma boa chance de conhecer várias de suas telas, que são quase que versões pintadas do que ele faz no cinema. São imagens misteriosas, de pesadelo, com corpos distorcidos. Precioso para os fãs, o filme foi exibido fora de competição.

SELVAGEM

Já na briga pelo Leão de Ouro, Veneza mostrou seu filme mais enigmático até agora: "La Región Salvaje", do mexicano Amat Escalante. O longa usa elementos de filmes B e de horror para falar de violência e sexualidade –talvez sobre o quanto o extremo de uma coisa pode levar à outra. Usa-se aqui "talvez" porque nada é certo ou definitivo na obra de Escalante; tudo é dúvida, mistério.

Até a trama é difícil de resumir, mas digamos que tem por foco uma cidadezinha no México em que ocorrem fatos violentos. Um estranho ser (alienígena?) em uma cabana tem a ver com isso.

"La Región Salvaje" não poupa em cenas polêmicas: há sexo gay, mulheres se masturbando, vaginas jorrando líquido... E há sexo entre humanos e a tal criatura, que é cheia de tentáculos.

"A realidade já superou a ficção, então busco respostas em outras partes", disse Escalante à imprensa, tentando elucidar seu longa. É por meio do inexplicável, do sobrenatural, que ele traz respostas para os conflitos do mundo. "Quando me pedem para explicar meu filme, faço meu melhor. Mas não é esse meu trabalho", disse.

Os filmes de David Lynch são tramas com fios cortados, que o público tem de unir sozinho para chegar a algum lugar. Os de Escalante também, mas há uma diferença: os fios que ele nos fornece parecem desencapados.


Endereço da página: