Folha de S. Paulo


Crítica

Nelson Freire toca com tamanha intimidade que parece improviso

Representantes do primeiro time do piano mundial em suas gerações, o norueguês Leif Ove Andsnes, 46, e o brasileiro Nelson Freire, 71, apresentaram recitais solo na Sala São Paulo na última semana.

Andsnes veio pela Cultura Artística e Freire pelo Mozarteum Brasileiro, duas importantes temporadas internacionais de concertos.

No dia 24 de agosto, Andsnes tocou Beethoven (1770-1827), Sibelius (1865-1957), Debussy (1862-1918) e Chopin (1810-49); na quarta seguinte (31/8), Freire apresentou Mozart (1756-91), Beethoven, Chostakóvich (1906-75), Scriabin (1872-1915) e Chopin.

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O pianista Nelson Freire durante apresentacao da serie Mozarteum Brasileiro no dia 31/8/16 na Sala Sao Paulo FOTO Divulgacao ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O pianista Nelson Freire durante apresentação na quarta-feira (31) na Sala São Paulo

Beethoven foi um ponto alto em ambos, e também revelador de profundas diferenças entre os pianistas. Na sonata "A Caça" (op.31 n.3), Andsnes parecia decompor os elementos temáticos na nossa frente, tamanha a coerência de sua interpretação.

Sem perder o humor, mostrou como Beethoven coloca o classicismo em perspectiva; sugeriu trompas e coros, manteve o público concentrado na multiplicidade dos sentidos.

Freire fez a penúltima sonata para piano do compositor (op.110), obra que termina com um longo movimento lento. Com o seu característico "cantabile" –destaque e controle de timbre inigualáveis nos dedos 4 e 5 da mão direita–, o brasileiro justapôs Beethoven a Mozart ("Sonata" K.331).

São os sons –eles mesmos –que ficam na memória ao escutarmos Nelson Freire ao vivo, como o lá natural repetido sem parar no "Adagio" final. Ele faz tudo parecer improvisação, tamanha a intimidade e a facilidade com que aborda o repertório. Tocou as miniaturas dos compositores russos e a dificílima "Sonata n.3" de Chopin com a mesma leveza.

Andsnes usou as breves peças de Sibelius para diminuir a densidade, mas recuperou a severidade já nos cortes abruptos das "Estampes", de Debussy. Seus andamentos são ousados, assim como a capacidade de evocar cada ambiente sonoro.

Em Chopin, o norueguês deixou o público sem respirar: trechos corais alternados com pura fúria na "Balada n.2"; impecável "Noturno" op.15 n.1; e a derradeira "Balada n.4", com medida exata do rubato, coda transparente e virtuosismo extremo.

Foi Chopin que predominou os números extras: "Polonaise Heroica", de Andsnes, e "Mazurka op.17 n.4", de Freire; rigor e amor como diferentes formas da beleza.

LEIF OVE ANDSNES

NELSON FREIRE


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