Folha de S. Paulo


Dupla estreia às 21h com corrupção e PF na trama de 'A Lei do Amor'

"Entra ali no meu computador para ver. A primeira sinopse dessa novela é de março de 2014." Quem desafia é Maria Adelaide Amaral, 74. Ela faz o convite para que seus arquivos sejam conferidos depois da reportagem ter apontado, por duas vezes, a relação do contexto atual com a trama de "A Lei do Amor", próxima novela das 21h da Globo, que assina ao lado de Vincent Villari, 38.

Protagonizada por Reynaldo Gianecchini e Cláudia Abreu, a história abordará o mundo político, com direito a casos de corrupção e operações da Polícia Federal envolvendo empreiteiros. Nada inspirado na realidade, segundo os novelistas.

Avener Prado/Folhapres
SAO PAULO, SAO PAULO, BRASIL, 03-08-2016: Maria Adelaide Amaral e Vincent Villari, autores da proxima novela das 21h da Globo,
Vincent Villari e Maria Adelaide Amaral, parceiros em 'A Lei do Amor'

"Não estamos pensando nisso quando escrevemos. Os neurocientistas dizem que é como se houvesse uma camada subterrânea nossa que soubesse das coisas antes que o nosso racional. No processo criativo, você vê isso ocorrendo o tempo todo", diz Adelaide, em seu apartamento em Higienópolis, na região central de São Paulo.

De acordo com os autores –ambos estreantes no horário das 21h–, a novela focará as relações humanas, mostrando que ainda existe gente muito boa no mundo.

"As pessoas estão falando de falta de solidariedade, que não há compaixão. Tem tudo isso, tem mau-caráter, mas tem muita gente boa. O importante é aquilo que soma, não o que subtrai", afirma Maria Adelaide.

A meta, continua a dupla, é desenvolver um enredo capaz de emocionar o público falando de amor, mostrando esse lado bom. "Novela é melodrama. São as regras fundamentais do gênero, não tem como escapar. Quando eu quero escapar, sento e escrevo uma peça de teatro", diz a escritora.

DE VOLTA À FILA

Programada inicialmente para ter ido ao ar no início de abril deste ano, "A Lei do Amor" –numa decisão incomum para a Globo– foi adiada de última hora.

Na época, em outubro de 2015, a emissora sofria com a concorrência de "Os Dez Mandamentos" na Record e buscava uma trama que não dialogasse tanto com a realidade. Foi assim que "Velho Chico" conseguiu furar a fila das novelas das 21h.

A desculpa oficial da emissora para o adiamento foi a de que, por ter personagens políticos, "A Lei do Amor" poderia enfrentar problemas com a legislação eleitoral porque a transmissão coincidiria com as campanhas e pleitos municipais no país.

Para os autores, veio a calhar. Segundo eles, com mais tempo tiveram a chance de desenvolver melhor os personagens e criar um prólogo de quatro capítulos.

A história girará em torno do casal Pedro e Helô, vividos por Reynaldo Gianecchini e Cláudia Abreu. Por causa de uma armação,os dois serão separados na juventude e voltarão a se reencontrar 20 anos depois.

Ele, um arquiteto de barcos, sai do país e retorna tentando consertar os erros do pai, Fausto (Tarcísio Meira), um empresário que se elegeu três vezes prefeito da fictícia São Dimas e não fez nada pela cidade além de se envolver em diversas falcatruas.

"A novela mostra a jornada desse herói, do Pedro. É o cara que vem de fora e enxerga tudo de ruim que fez com que a aridez daquela cidade penetrasse nas relações humanas", afirma Villari.

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Folha - A novela inicialmente foi pensada para as 23h. Adelaide disse que hesitou em aceitar migrar para as 21h. Por quê? Pressão por audiência?
Maria Adelaide Amaral - Por volume de trabalho. Fiz várias minisséries longuésimas que davam 43 pontos de audiência na sexta. Não é que não tenho medo da audiência, todo mundo tem. Todo autor no mínimo é receoso, fala "tomara que dê certo, que as pessoas embarquem na história". Eu não sou diferente de ninguém. Claro que audiência me preocupa, mas não me tolhe. Não deixo de escrever o que quero.

Vincent Villari - A novela não é uma viagem que você faz sozinho, precisa de interlocução com o público. A gente quer se comunicar por meio da emoção.

MA - Não é escrever o que quero e o resto que se dane. TV não é isso. É um veículo de massa, o desafio é fazer algo de qualidade e que tenha empatia, repercuta, reverbere, que vá de encontro ao que o público quer naquele momento.

Folha - E dá para saber o que o público quer?
MA - Impossível. Se existisse receita, só se produziria sucessos.

VV - Não escrevemos pensando no que o público quer.

Folha - A novela falará de amor, de relações humanas. Dialoga com esse momento atual de intolerância?
MA - Quando você vê o Trump nos EUA dá vontade de falar "para o mundo que quero descer". É assustador. Existe uma nova caretice, um neoconservadorismo. Hoje tem essa divisão do mundo entre os que querem abrir e acolher e os que querem fechar, construir muralhas.

Folha - Esse conservadorismo também predomina nos telespectadores? É possível provocar a audiência?
VV - Nunca escrevemos pensando em provocar ou grifar uma verdade absoluta. A gente quer se comunicar por meio da emoção.

MA - E ninguém quer pregação, esquece. Não é assim que você convence o público. A grande força de persuasão é através da emoção. Toda minha carreira dramatúrgica é pautada por isso. Meus maiores sucessos foram aqueles em que eu falava de amor, da intensidade das relações humanas.

Folha - Mas veem função social na novela?
VV - Nossa prioridade é falar de relações humanas. Falar disso não é algo menor, não é escapismo, a emoção barata. Quando você escreve bem, constrói personagens críveis, também está dizendo algo.

MA - O poder da emoção é muito mais eficiente e contundente do que o do discurso.

Folha - A novela abordará política. É uma trama central?
VV - É um pano de fundo. A política é pretexto para as histórias de relações humanas. Há o Fausto (Tarcísio Meira), que foi prefeito três vezes e não fez nada, está envolvido em várias maracutaias. Ele se associa a um deputado e a um empreiteiro para superfaturar obras.

Folha - Tem tudo a ver com o momento atual do país, com a Lava Jato.
MA - Isso sempre existiu, mas agora as coisas estão ganhando as manchetes. E o nível de putaria aumentou muito. Mas tudo foi progressivo nos últimos 30 anos, não nos esqueçamos por que o Collor saiu, não é de agora.

VV - Nós vemos os telejornais e nos assustamos. Nem que a gente quisesse, conseguiria inventar ou superar o que está acontecendo. Impossível até comparar com a realidade.

MA - Até porque a realidade pode ser inverossímil, mas a ficção, não.

Folha - Mas a Lava Jato serve agora de referência à novela?
MA - Não. A única coisa que fazemos é uma brincadeira com nomes de operações da Polícia Federal. Criamos uma que vai se chamar Operação Bom Ladrão. Não queremos citar nada da realidade, criar nada parecido porque senão ficamos a reboque.

Folha - Vão mostrar políticos honestos?
MA - Sim. O prefeito da cidade, interpretado pelo Ricardo Tozzi, é inspirado no Pepe Mujica. É uma cara muito decente.

VV - E vão aparecer outras lideranças políticas positivas. Existe muita gente boa, é preciso apenas que elas tomem posse de sua voz.

Folha - Será um melodrama clássico?
MA - Acho que é. Novela é melodrama. São as regras fundamentais do gênero, não tem como escapar. Quando eu quero escapar, sento e escrevo uma peça de teatro.


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