Folha de S. Paulo


Luiz Fernando Guimarães retorna aos palcos e vive múltiplos personagens

Há uma cena –sobre um homem gordo– que ninguém verá em "O Impecável", peça que Luiz Fernando Guimarães estreou no início do ano no Rio e que entra em cartaz nesta sexta (12) em São Paulo. O ator, de volta aos palcos paulistanos após hiato de 12 anos, resolveu cortá-la no meio da temporada porque achou que ela pesava demais.

A montagem, com direção de Marcus Alvisi e texto de Charles Möeller e Claudio Botelho, é arquitetada para que o ator faça oito personagens, sem em nenhum momento mudar de figurino. Todos passam por um salão de beleza carioca "fim de linha", conta. Com pegada de crônica, Guimarães vai desenhando tipos.

Marlene Bergamo/Folhapress
ILUSTRADA - Sao Paulo - ator Luiz Fernando Guimarães, que estreia em SP com o monólogo cômico 'O Impecavelâ€, no qual interpreta oito personagens distintos. 11/08/2016 - Foto Marlene Bergamo/Folhapress - 017
O ator Luiz Fernando Guimarães, que estreia em SP com o monólogo cômico 'O Impecavel'

O excesso de gordura foi percebido quando, do palco, ele trocou olhar com outro homem gordo na plateia, relata. Em cena, o personagem contava que já tinha sido magro e feio e que, após ganhar peso, passaram a reparar mais na gordura dele, esqueceram-se da feiura. "Eu estava no meio da cena. Em determinado momento, olhei esse gordão na plateia. Vi que o cara não se sentiu bem com a fala. Depois disso, resolvi tirar a frase. Não gostei de ter feito aquilo com ele. Hoje, considero que ele me ajudou muito naquele momento."

AUTOANÁLISE

O ator diz que o termômetro da comédia passa por autoanálise e um exame de consciência. "Se agride, não sinto que seja humor." Além do gordo, haverá, na peça, "o homofóbico que maltrata a bichinha", adianta ele. Tem também um rapaz que leva a mãe, uma velha surda e cadeirante, para tingir os cabelos.

O filtro de Guimarães, ele afirma, não é exatamente o conteúdo, mas a forma como ele se expressa em cena. "Acho que é possível falar de tudo. Eu sempre fiz humor exacerbado, sem cerimônia. E nunca achei que pesava", diz, relembrando peças do grupo Asdrúbal Trouxe o Trombone, onde estreou há mais de 40 anos com montagens nada ortodoxas de clássicos como "O Inspetor Geral", de Gógol. Da mesma forma, vem à lembrança o humor de "TV Pirata", clássico da Globo (1988-1992) que tinha Claudia Raia, Guilherme Karan, Débora Bloch, entre outros, no elenco. "O que torna a cena ruim é a forma como você a mostra."

O ator conta que "TV Pirata" se valia de "total leveza na atuação", o que permitia encenar uma corrida de paraplégicos ou a história de uma nadadora alemã chamada Gertrudes Auschwitz. "Não tocávamos no peso das relações humanas. Dava para brincar com tudo, com sofrimento e dor. Naturalmente, brincávamos com preconceitos, chamando de negão ou de gordo." Em uma breve comparação com os dias de hoje, ele observa: "Não sei de onde vem tanta saia justa".

Além de enfrentar o politicamente correto, "O Impecável" foi pensado, em sua economia de recursos cênicos, para poder viajar facilmente. O ator já havia trabalhado com a dupla Möeller e Botelho em "Como Vencer na Vida Sem Fazer Força", peça que também tinha no elenco Gregorio Duvivier, colunista da Folha. O texto estava engavetado e foi retrabalhado com Alvisi. Eram originalmente monólogos sequenciais e autônomos. As falas foram embaralhadas, com trocas mais rápidas entre um personagem e outro, dando origem a uma sequência só.

O INVISÍVEL

Para trabalhar sua performance, Guimarães conta que recorreu a um exercício antigo, que é falar sozinho, como se alguém estivesse presente. Ele diz que é um hábito que compartilha com outros comediantes.

O desafio, no momento em que o hábito se torna cena, é fazer, por meio do diálogo e do gesto, com que a plateia saiba como são os personagem "invisíveis" com quem ele contracena "se é baixo ou se é alto".

Durante a entrevista à Folha, quando mencionou o momento em que interpreta um personagem de cabelos longos, Guimarães passou a alisar uma cabeleira imaginária e jogou a franja como quem já teve esta oportunidade.

A verdade é que, sim, ele já teve. "Nos ano 1970, tive cabelo enorme. Em 'Trate-me Leão', todos os atores do elenco tinham que ter cabelo grande", conta, retornando à chacoalhada do Asdrúbal e de seu diretor, Hamilton Vaz Pereira, na vida bicho-grilo da zona sul carioca. Foi este o grupo que também revelou Regina Casé, Patrícia Travassos, Evandro Mesquita e o cantor Cazuza (1958-1990).

O IMPECÁVEL
QUANDO sex., às 21h, sáb., às 22h e dom., às 20h; até 2/10
ONDE Teatro Gazeta, av. Paulista, 900, tel. (11) 3253-4102
QUANTO R$ 45 a R$ 90
CLASSIFICAÇÃO 14 anos


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