Folha de S. Paulo


Crítica

Estevão Azevedo atinge bons momentos em livro de formação

O primeiro romance de Estevão Azevedo foi publicado em 2008, pela editora Terceiro Nome, e foi finalista do Prêmio São Paulo de 2009. O livro chega novamente às livrarias, pela Record, nova casa do autor após o fim da Cosac Naify, por onde ele publicou, em 2015, "Tempo de Espalhar Pedras", que faturou o Prêmio São Paulo do ano seguinte.

"Nunca o Nome do Menino" inicia de maneira formidável: "Ao perceber que era personagem de um livro, amputei o dedo mínimo da mão esquerda, imaginando com isso arrancar pelo menos algumas letras das palavras que me descreviam".

Ivson Miranda/Itaú Cultural/Divulgação
O escritor Estevão Azevedo, ganhador do Prêmio São Paulo de Literatura Crédito Ivson Miranda/Itaú Cultural/Divulgação ***DIREITOS RESERVADOS. NÃO PUBLICAR SEM AUTORIZAÇÃO DO DETENTOR DOS DIREITOS AUTORAIS E DE IMAGEM***
O escritor Estevão Azevedo tem seu primeiro romance reeditado

Logo somos apresentados a essa narradora feminina que conta a própria história, mas que está convencida de que é apenas uma personagem de um escritor que a inventa e está "decidida a continuar o motim, com a consciência de que cada dia em que eu apenas vivesse seria só mais um capítulo em que ele haveria me vencido".

Aos poucos o romance suaviza a chave pós-modernista e se aproxima do realismo: ganham força a interação com um jornalista medíocre e um ex-amante veterinário, enquanto ela relembra seu relacionamento amoroso com o "menino" de quem nunca saberemos o nome, um passado que, se vasculhado, poderia indicar sua essência, à revelia das manobras ficcionais do suposto escritor por trás de sua vida.

EMBATE

Esse miolo, que ocupa quase todo o livro, nos mostra um autor em embate com a própria possibilidade de escrever um livro. "Eu me arriscava pela primeira vez em um texto tão longo e estava quase certo de não ter fôlego para concluí-lo", escreve Azevedo no posfácio à nova edição.

Alguns indícios reforçam essa impressão: a personagem narradora é artista plástica, mas tem uma cultura literária muito superior às suas referenciais visuais, indicando tratar-se de um universo mais caro ao autor do que à personagem.

Há um sem-fim de citações e intertextualidade que remetem de Camus a Vinicius de Moraes, de Machado de Assis a Caetano. São referências que parecem exteriores à personagem, vindas do universo do autor. "As fundações mais estáveis, naquele período, eram as da minha própria vida", completa Azevedo.

Somente ao final do livro é que voltamos com mais força à ideia inicial. A narradora acredita ter encontrado seu "autor", encarnado na figura do antigo "menino", e vai atrás dele, nos colocando diante do oximoro: como é possível um livro em que seu narrador em primeiro pessoa deixa, enfim, de narrar? A resposta fica para o leitor.

A mão pesada do autor sobressai em boa parte do livro, e paira como um véu que chama a atenção mais para o próprio desafio de escrever do que para o livro em si.

Com a distância do tempo desde a primeira publicação, não é exagero dizer que se trata de um romance de formação do autor, em que ele atinge inúmeros bons momentos. E como atestado comprobatório do que se anuncia aqui temos seu segundo romance, "Tempo de Espalhar Pedras", no qual Azevedo assume enfim a ficção como um artifício tão legítimo quanto a artificialidade de dizer-se vivo.

NUNCA O NOME DO MENINO
AUTOR Estevão Azevedo
EDITORA Record
QUANTO: R$ 34,90 (196 PÁGS.)


Endereço da página: