Folha de S. Paulo


Movimento que ocupou o MinC no Rio se muda para o Canecão com festa

Na véspera da cerimônia de abertura da Olimpíada, o movimento Ocupa MinC RJ faz nesta quinta (4), a partir das 17h, uma festa sem muita cerimônia para abrir oficialmente seu novo endereço, o antigo Canecão.

O movimento nasceu em maio, após Michel Temer extinguir o Ministério da Cultura —decisão que reconsiderou, por causa da repercussão negativa. E se firmou como um foco permanente de protestos contra o presidente interino.

Expulso na semana passada, após 73 dias, do Palácio Gustavo Capanema —edifício que é a sede do Ministério da Cultura no Rio e da Funarte—, o grupo formado por cerca de 150 pessoas entrou na madrugada de segunda (1º) na antiga casa de shows de Botafogo (Zona Sul). E diz não ter prazo para sair.

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Ocupação do Canecão com protesto Fora Temer
Bia Lessa durante a ocupação do antigo Canecão, no Rio

Sem ser Canecão desde 2010, o terreno pertence à Universidade Federal do Rio de Janeiro.

Do palco onde acontecerão apresentações, será retirada, ao menos por um dia, a faixa "Fora Temer!".

"O desejo da saída de Temer é um ponto de partida, mas o que está acontecendo vai muito além", diz a encenadora Bia Lessa, que se ofereceu para dirigir a festa.

"É uma ideia estética e ética de ocupação de espaços públicos. E conduzida de uma forma que é mais até do que democrática: eles decidem as coisas não por votação, mas por consenso", ressalta ela, que realizou shows de Maria Bethânia no palco do Canecão.

No roteiro desta quinta estão previstos artistas como Zélia Duncan, Jards Macalé, Moreno Veloso e Gregorio Duvivier, colunista da Folha.

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Ocupação do Canecão com protesto Fora Temer
Manifestantes pedem a saída de Temer em ocupação do antigo Canecão, no Rio

Muitos apoiadores enviarão mensagens em vídeo: Walter Salles, Sérgio Sant'Anna, Jorge Mautner, Arrigo Barnabé, José Celso Martinez Corrêa, Wagner Moura e outros, incluindo cientistas como Miguel Nicolelis, Luiz Alberto Oliveira e Mário Novello.

Também haverá representantes de movimentos de mulheres, indígenas, quilombolas, estudantes, professores, profissionais da saúde etc.

"O 'Fora Temer!'é um pretexto para construirmos novas formas de se fazer cultura e pensar a sociedade. A ocupação é um laboratório de políticas públicas", afirma Dyonne Boy, do movimento Reage, Artista!

Visitar o agora chamado Ocupa Canecão ajuda a derrubar clichês. Além de a saída de Temer não ser o principal objetivo, também não se vê ociosidade, muito menos desleixo.

Em três dias, o grupo limpou todo o terreno, afastou os bichos (ratos, gambás, escorpiões), consertou fiações, encanamentos. E encomendou um laudo técnico para saber se eles e os visitantes estão seguros ou se algo pode desabar.

"Ninguém está aqui por não ter casa, por falta de opção, e sim por opção. É uma decisão política", diz a antropóloga Marcella Camargo.

Graças a uma rede wi-fi própria, muitos realizam seus trabalhos pessoais ali mesmo. Quem tem emprego com horários regulares aparece antes ou depois do expediente. Todos têm funções determinadas. A alimentação vem de doações.

"Sem documento, sem burocracia, sem hierarquia", diz Dyonne.

O grupo diz ter um canal aberto com a UFRJ. A reitoria, no entanto, soltou uma nota dura criticando a ocupação. Diz, entre outras coisas, que há riscos de segurança e que estranha ser alvo da iniciativa, pois condenou a extinção de "ministérios sociais" e "sempre abriu seus espaços acadêmicos para a realização de debates, seminários, atos sobre os grandes problemas sociais".

Segundo a nota, "ao promover a ocupação, o movimento desconsiderou a forma democrática da livre expressão garantida pela universidade".

Os seguranças contratados pela UFRJ para vigiar o local continuam trabalhando. Durante a Olimpíada, têm o reforço de soldados do Exército e da Força Nacional, que patrulham as redondezas.

É curiosa a cena de militares armados protegendo —involuntariamente— um movimento de oposição ao governo.


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