Folha de S. Paulo


Série de quadrinhos 'Love and Rockets' é relançada na íntegra no Brasil

A vila de Palomar e seus 386 habitantes vieram ao mundo em 1983. Os primeiros contos da série em quadrinhos "Love and Rockets", ambientados no pequeno povoado localizado em algum ponto da América Latina, foram concebidos quando o seu autor, Gilbert Hernandez, tinha apenas 26 anos.

Agora, aos 59, o artista texano terá seu trabalho mais aclamado republicado na íntegra no Brasil. A recém-lançada "Sopa de Lágrimas" é a primeira de três coletâneas previstas para os próximos anos reunindo as histórias de Hernandez com os moradores da fictícia Palomar.

"Sempre quis criar a ilusão de que todos nós já estivemos naquele lugar", explica Hernandez em entrevista à Folha. "A maioria dos leitores de quadrinhos continua a ler HQs por pura nostalgia. Eu quero me relacionar com o passado dos meus leitores sem depender desse apelo nostálgico dos gibis."

Reprodução
Quadros de 'Sopa de Lágrimas', primeira reedição brasileira da série 'Love and Rockets', de Gilbert Hernandez
Quadros de 'Sopa de Lágrimas', primeira reedição brasileira da série 'Love and Rockets', de Hernandez

Recentemente, Gilbert também anunciou a retomada de "Love and Rockets" como uma publicação quadrimestral a partir de setembro e o lançamento de um romance gráfico contando sua versão para a história de Adão e Eva.

"Sopa de Lágrimas" apresenta as primeiras histórias do quadrinista sobre Palomar e introduz alguns dos mais célebres cidadãos da vila.

Chelo é a parteira local e dona da única casa de banho da região, que ganha a concorrência da recém-chegada Luba. Amigos inseparáveis, Manuel e Soledad nasceram quase juntos, mas apaixonaram-se pela jovem Pipo. Heráclio acabou de chegar ao povoado, mas volta e meia vê o fantasma de um pintor que habitava a região.

Os aspectos fantásticos das histórias de Gilbert levaram a comparações com as várias tramas de Gabriel García Márquez no clássico "Cem Anos de Solidão": "Já estava na 14ª edição de 'Love and Rockets' quando li García Márquez pela primeira vez. Reconheço essas semelhanças. A relação provável que vejo para esse diálogo talvez seja minha formação católica e latina". Criado com mais cinco irmãos, o artista é filho de pai mexicano e mãe texana.

EM FAMÍLIA

Sopa De Lágrimas
Gilbert Hernandez
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"Love and Rockets" foi criado por Hernandez com seus irmãos Mario e Jaime. O título intercalou os contos de Palomar com as histórias de "Locas", série protagonizada por jovens da cena punk de Los Angeles no início dos anos 1980. Os três irmãos são um dos pilares de uma geração de quadrinistas underground americanos que transformou a percepção do público em relação às possibilidades das histórias em quadrinhos.

"Pensava que, se eu simplesmente me expressasse com honestidade, o trabalho teria sua influência particular. Meu foco era ser o mais honesto possível", diz Gilbert, contemporâneo de ícones como Charles Burns, Art Spiegelman e Lynda Barry.

"Na verdade, não acho que meus quadrinhos demonstram qualquer esperteza criativa. Escrevo e desenho de maneira simples, sem pretensão de alcançar um grande impacto artístico."

SOPA DE LÁGRIMAS
AUTOR Gilbert Hernandez
EDITORA Veneta
QUANTO R$79,90 (288 páginas)

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'Não tenho tempo de temer Trump'

Com ascendência mexicana, Gilbert Hernandez é um dos quadrinistas de origem latino-americana mais respeitados nos Estados Unidos.

Hoje, passados mais de 30 anos desde o início de sua carreira, diz não temer a possibilidade de o republicano Donald Trump –que tem causado controvérsia por suas declarações anti-imigração e até chegou a propor um muro na fronteira entre os EUA e o México– eleger-se à presidência americana.

"Nunca tenho medo dessas coisas, estamos apenas vendo a verdade em relação às pessoas", afirma à Folha. "Esse tipo de coisa sempre existiu. Se não pudermos ter vidas felizes mesmo com esses idiotas, então não merecermos ser felizes. Não tenho tempo para ter medo, tenho quadrinhos para fazer."

O trabalho, porém, começou como diversão. Hernandez conta que ele e seus irmãos, com quem criou "Love and Rockets", liam quadrinhos quando criança e desenhavam pelo prazer. "Não havia um plano, não queríamos fazer HQs da Marvel ou da DC, então fizemos a partir da nossa imaginação, das nossas experiências", comenta.

E não vê com bons olhos o atual domínio de Hollywood de publicações "mainstream". "Isso vai eventualmente acabar destruindo qualquer resquício de criatividade que esses quadrinhos já tiveram."


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