Folha de S. Paulo


Musical 'O Príncipe do Egito' levanta questões sobre diversidade

A preocupação sobre a falta de diversidade dominou o Oscar deste ano. O orgulho sobre a diversidade incomum da mais recente temporada de teatro em Nova York dominou a cerimônia do prêmio Tony, em junho.

Agora, a questão ressurgiu quanto a uma tentativa embrionária do estúdio DreamWorks de adaptar "O Príncipe do Egito", um sucesso de animação de 1998, como musical de teatro.

A questão irrompeu na mídia social no final de semana, depois que uma organização sem fins lucrativos de Long Island, o Bay Street Theater, anunciou planos para encenar gratuitamente as canções, números musicais e diálogos do espetáculo, que ainda está em desenvolvimento, no mês que vem, em um parque em Sag Harbor, Nova York. O evento será a primeira ocasião em que o libreto e partitura completos serão ouvidos por uma plateia.

Reprodução
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Cena da animação "O Príncipe do Egito", que conta a história de Moisés e a fuga do povo hebreu do Egito

O problema é o seguinte: embora o espetáculo, sobre a vida de Moisés tal qual descrita no Êxodo, se passe no Egito antigo, a maior parte do elenco é formada por brancos, e a publicidade inicial do evento, na semana passada, resultou na impressão, incorreta, de parte de algumas pessoas, de que todo o elenco fosse todo branco —de acordo com o Bay Street Theather, um terço do elenco profissional para o evento de uma noite de duração, o que inclui dois dos seis atores escalados para os papéis principais, são não brancos.

As reações não demoraram a surgir. Cynthia Erivo, atriz britânica de ascendência nigeriana que conquistou o Tony de melhor atriz este ano por sua interpretação em "A Cor Púrpura", postou uma série de comentários no Twitter afirmando que "me entristece que depois de uma temporada multicultural tão maravilhosa na Broadway, um espetáculo que se passa na África não tenha um ator não branco sequer". Depois, quando alertada de que havia alguma diversidade no elenco, ela escreveu que "o espetáculo se passa no antigo Egito, ou seja, na África, onde vivem pessoas de pele mais escura que a minha. É esse o ponto".

Outros artistas e profissionais do setor de teatro se pronunciaram. Denée Benton, atriz negra que estrelará como Natasha na produção "Natasha, Pierre and the Great Comet of 1812", que estreia na Broadway no final do ano, objetou a "ainda outra oportunidade perdida de representar o quanto nosso mundo é colorido".

O diretor artístico do Bay Street Theater, Scott Schwarz, filho do compositor da trilha sonora de "O Príncipe do Egito", Stephen Schwarz, e diretor do espetáculo, agiu com rapidez para enfrentar a controvérsia. Ele ligou para pessoas que haviam criticado a composição do elenco, entre as quais Erivo, que se declarou satisfeita com a conversa que tiveram. E postou online uma declaração na qual reconhece o incômodo e reitera que cinco dos 15 participantes da encenação serão não brancos, e prometendo atenção à questão à medida que o projeto avançar.

"Por favor, sintam-se seguros de que nossa preocupação com a necessidade de diversidade e autenticidade no projeto é algo que ouvimos e levamos a sério", ele escreveu. "Todos nós, da equipe de criação e produção, esperamos continuar esse diálogo, não só sobre 'O Príncipe do Egito' mas sobre a diversidade e autenticidade na composição de elencos, em toda arte que criarmos".

Em entrevista por telefone, Scott Schwarz declarou que "O Príncipe do Egito" era "um espetáculo sobre inclusão - queríamos criar um espetáculo diversificado e inclusivo, e creio que o faremos". Ele acrescentou, sobre a controvérsia, que "estamos tentando tratar dela e aprender com o acontecido, e, no futuro, qualquer que seja a jornada de 'O Príncipe do Egito', podem acreditar que estaremos pensando sobre isso".

Bill Damaschke, antigo executivo da DreamWorks e hoje produtor na Broadway e encarregado do desenvolvimento do musical, em parceria com Dori Berinstein, fez promessa semelhante, declarando em entrevista que "quando fizemos o filme, contratamos grande variedade de consultores religiosos para garantir que prestássemos atenção como necessário às muitas sensibilidades envolvidas, e acredito que estamos vendo que é preciso ter muita atenção a cultura, religião e raça na maneira pela qual essa história vier a ser apresentada no futuro".

Não está de todo claro que o espetáculo venha a ser encenado na Broadway - é um projeto em desenvolvimento, disse Damaschke, em resposta a pedidos de escolas e teatros regionais de uma versão de palco que eles pudessem encenar.

Mas o projeto está destinado a receber atenção desproporcional em parte por conta da importância das pessoas envolvidas. "O Príncipe do Egito" foi um sucesso no cinema, e sua canção-tema ganhou um Oscar; a DreamWorks, claro, é importante protagonista no mundo do entretenimento; e Stephen Schwarz é um dos compositores de maior sucesso do teatro musical, com créditos como "Godspell", "Pippin" e "Wicked" —o libreto de "O Príncipe do Egito" é de Philip LaZebnik.

A cor da pele dos egípcios do passado é tema de debate, e essa não é a primeira vez que escalar um elenco para interpretar personagens do Egito antigo causa preocupação. Em 2014, houve críticas fortes aos elencos em sua maioria brancos de dois filmes que estavam em desenvolvimento então, "Êxodo: Deuses e Reis" e "Os Deuses do Egito".

A reação à encenação prévia de "O Príncipe do Egito" parece ilustrar a crescente disposição dos artistas a se pronunciar, e a capacidade da mídia social para amplificar aquilo que os preocupa. E, depois de uma temporada teatral na qual um número incomumente elevado de artistas negros, hispânicos e de ascendência asiática conquistaram papéis de destaque, alguns deles estão empregando a visibilidade adquirida para despertar a atenção quanto a questões que os preocupam: na semana que vem, um grupo de artistas e escritores, entre os quais Audra McDonald, seis vezes premiada com o Tony, participarão de um evento na Escola de Direito da Universidade Colúmbia em um evento de apoio ao movimento Black Lives Matter.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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