Conhecido pelo trabalho como editor de ficção da revista "Esquire" e da editora Knopf, figura controversa por seu comportamento e opiniões nem sempre brandos, Gordon Lish permanecia praticamente inédito em português.
Agora, com "Coleção de Ficções - Volume 1", a editora Numa traz os contos de "What I Know So Far", de 1984, o primeiro de quatro livros de narrativas curtas que serão publicados no Brasil.
Com excepcional faro para revelar talentos iniciantes —daí o apelido de "Capitão Ficção"—, Lish tornou-se referência para escritores como Don DeLillo, Cynthia Ozick, Amy Hempel e Barry Hannah. Foi editor das primeiras obras de Raymond Carver, nos quais tanto mexia e cortava que o próprio Carver era incapaz de reconhecer autoria.
Por causa de dois textos que estão nesse volume, Lish envolveu-se em polêmicas com J.D. Salinger. Fazendo um pasticho do estilo do autor de "O Apanhador no Campo de Centeio" na narrativa "Para Rupert - Sem Promessas", Lish publicou o conto com omissão da autoria na revista "Esquire".
Tal fato fez parecer que Salinger, que nada publicava fazia dez anos, voltara a escrever, o que gerou, claro, grande atrito entre os dois. Não bastasse um só problema criado, Lish voltou à carga em "Para Jeromé - Com Amor e Beijos", conto epistolar em que o pretenso pai de Salinger escreve ao filho —outra grande briga com o recluso autor.
Nos 19 contos agora traduzidos com precisão por Ismar Tirelli Neto, há desafortunados de toda ordem: pais meio sem jeito com os filhos, maridos traídos ou traidores, professores de criação literária sem vontade de ensinar o que quer que seja às alunas mas muita vontade de desempenhar boas cenas de sexo.
Tendendo ao minimalismo (conta-se que recomendava a Carver que, de 15 palavras escritas, ele aproveitasse no máximo cinco), Lish consegue articular histórias paralelas que se interpenetram, caso de "Como Escrever Um Poema". Usando o sentimento do medo como mote —e é o terror quase pânico o que se vê no conto "Sofisticação"— o autor mantém as narrativas cheias de tensão e estranheza.
Considerado um dos mais significativos autores da transição entre os séculos 20 e 21, narrando com desesperança e tristeza dentro de uma linguagem seca, Lish também demonstra nítida preferência pelas narrativas em primeira pessoa, fato que, de alguma maneira, aproxima o leitor de suas histórias.
Ex-professor de criação literária nas universidades de Yale e de Nova York, atualmente lecionando na universidade de Columbia, diz-se que Lish, 82, é um dos responsáveis pela grande reputação das oficinas de escrita americanas —e pela deserção de um sem-número de alunos que não tiveram estômago para resistir a seu humor algo ácido.
De suas críticas não escaparam nem autores com a estatura de Philip Roth, Paul Auster ou Jonathan Franzen, sobre os quais derramou galões da mais negra e desaforada bile. Para os leitores brasileiros, já não sem tempo, é chegada a hora de ler para saber.