Folha de S. Paulo


análise

Segredo da imortalidade é a busca de 'X-Men' e da ciência

Os X-Men voltaram, agora numa batalha que, como já diz o título do filme ("X-Men: Apocalipse"), é apocalíptica. O longa foi lançado em maio, com críticas dos espectadores bem mais positivas do que as dos críticos.

Como sempre, o tema central é a não aceitação dos mutantes pelos humanos que, no nosso dia a dia, é uma grande metáfora sobre a rejeição daqueles que são diferentes.

O que é novo aqui é a presença do mutante Apocalipse —ou En Sabah Nur—, que surgiu no Egito Antigo e é apresentado como o mutante original. Seus poderes são tais que, como os faraós, se considera uma criatura divina. Esse, claro, é seu maior erro. Cego pela ambição, tenta o impossível.

Ajudado por quatro assistentes —segundo o filme, eles foram a inspiração para os quatro cavaleiros do Apocalipse da Bíblia—, o mutante tenta se tornar imortal, desenvolvendo um método para transferir sua essência a um novo corpo a cada ciclo de vida.

O que ele tenta fazer com a mágica, ou pelo menos com superpoderes, alguns cientistas acreditam ser possível desenvolver em um futuro não muito distante. Até que ponto a ficção científica pode se tornar realidade é algo a ser debatido. Mas o mito por trás da ideia é o que importa: a busca pela imortalidade pela mágica ou ciência.

Muitos livros e filmes de ficção científica exploram as consequências morais da ciência de ponta de sua época. Em "Frankenstein", Mary Shelley explorou a possibilidade de correntes elétricas serem responsáveis pelo segredo da vida —a ciência como fonte de imortalidade. O subtítulo da obra já diz tudo: "Prometeu Moderno", aquele que roubou o segredo dos deuses (no caso, o fogo) e foi duramente punido por isso.

Se a imortalidade é um segredo dos deuses, os pesquisadores não têm como desvendá-lo. Aqueles que tentam terminam seus dias tragicamente. Existem certas questões que estão além do poder dos homens. Melhor assim.

No filme, o mutante Apocalipse sabe que sua receita para a imortalidade precisa de mais dois ingredientes: se quer ser como um deus, precisa ser onisciente e onipresente. Eis que encontra os poderes do professor Charles Xavier, que, com sua máquina Cérebro, é capaz de "entrar" na mente de todos os habitantes da Terra, distinguindo humanos de mutantes, ouvindo e, se quiser, guiando seus pensamentos.

Ao entrar na mente das pessoas, Xavier ganha tanto onisciência quanto onipresença, pois está em tudo e todos ao mesmo tempo. Se pudesse ser imortal, Xavier seria como um deus. Felizmente, suas intenções são as melhores possíveis e consegue resistir à terrível tentação.

Talvez essa seja a mensagem mais simples e valiosa do filme: o que distingue pessoas boas de pessoas más é justamente a habilidade das pessoas "boas" resistirem à tentação do poder. Nos dias conturbados de hoje, em que encontramos supostos líderes sucumbindo à tentação do poder nos quatro cantos do mundo, precisamos de mais humanos com a sabedoria do professor Xavier. Talvez os líderes bons sejam os verdadeiros mutantes.

MARCELO GLEISER é professor titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College (EUA) e autor de "A Ilha do Conhecimento" (Record)


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