Folha de S. Paulo


crítica

Manuel Bandeira se mostra revelador na crítica de arte

Os escritos de Manuel Bandeira sobre arte ainda são para nós objeto de reflexão a ser mais bem considerado, não só pelos nexos que estabelecem com seus poemas, mas principalmente por elucidarem sua posição no modernismo.

São textos reveladores de certo ímpeto historiográfico, em que o modernismo deixa de ser tratado como movimento de emancipação do passado e passa a ser a possibilidade de reelaboração da memória estética das artes.

O livro "Crítica de Artes", publicado pela Global Editora, seria, assim, para o leitor brasileiro, uma oportunidade de tomar conhecimento da visão de Bandeira sobre artes e artistas e do quanto seu gesto modernista atende a uma visão histórica generosa. O volume reúne quatro ensaios escritos nos anos 1950, dois sobre artes visuais e dois sobre música.

Iconografia de Manuel Bandeira
Literatura: o autor pernambucano Manuel Bandeira posa com livro nas mãos. (Foto de Iconografia de Manuel Bandeira)
Bandeira em foto sem data com 'Dia de Garimpo', de Julieta Bárbara, entre outros livros

Do pequeno conjunto, destaca-se "Artes plásticas no Brasil", publicado originalmente em 1958, em "Poesia e Prosa", edição em dois volumes da Aguilar que reunia a obra de Bandeira até então.

Nesse ensaio, o autor se arrisca a fazer um resumo histórico da arte brasileira. Há, logo de saída, uma menção a Capistrano de Abreu que reforça o desejo do próprio Bandeira de redescoberta da arte brasileira colonial e permite a ele justificar o embaraço diante da falta de uma visão de conjunto na qual se fiar. Assim como nos dois textos sobre música, fica visível aqui o modo como Bandeira metabolizava e conversava textualmente com outros autores, retomando-os sempre que necessário.

ATREVIDO

Seus comentários sobre as artes plásticas brasileiras se iniciam de maneira atrevida, com o exemplo pré-cabralino da cerâmica marajoara. Não espanta que o autor de "O Cacto" –poema em que ele compara a dramaticidade da planta ao conjunto escultórico de Laocoonte– ressalte a potência estética dessas manifestações sem nenhum ranço de preconceito.

E, mais que isso, a inclusão mostra sua preocupação com a ampliação da própria historiografia, a partir da consciência da existência de uma história brasileira das artes capaz de problematizar a história da arte brasileira.

Também a inclusão de certos artistas do período colonial, considerados menores e inexpressivos, revela a vontade de reconsiderar as virtudes estéticas e possibilidades de reabsorção de problemas abandonados precocemente.

O interesse que o livro desperta decorre da promessa de reunir e apresentar os textos de crítica de arte de Bandeira. No entanto, faltam ao projeto editorial uma reflexão mais sistemática sobre a produção em prosa de Bandeira e a própria definição da crítica que norteou as escolhas e sobretudo as ausências.

Não se justifica com clareza a não inclusão de textos sobre Pedro Américo, Victor Meirelles, Brecheret e Mestre Vitalino. O fato de estarem mais próximos da crônica que da forma crítica tradicional não parece suficiente. Teria sido mais interessante organizar um volume mais generoso capaz de expressar as predileções de Bandeira e sua visão sobre as artes em distintas modalidades de escrita, ligadas entre si pelo desejo de verbalizar a experiência estética.

LAURA ERBER é escritora e professora do Departamento de Teoria do Teatro da Unirio

CRÍTICA DE ARTES
AUTOR: Manuel Bandeira
EDITORA: Global
QUANTO: R$ 37 (104 págs.)


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