Folha de S. Paulo


depoimento

Autor Péter Esterházy queria escrever uma história simples

Balazs Mohai/Associated Press
O escritor Péter Esterházy em Budapeste em junho de 2016
O escritor Péter Esterházy em Budapeste em junho de 2016

Quando Péter Esterházy, que morreu aos 66 na quinta-feira (14), veio ao Brasil, em 2011, ele disse estar tentando escrever uma história simples e que na sua escrivaninha havia um bilhete: "história simples, cem páginas".

O escritor húngaro, renovador da linguagem do romance, sabia que o que costumava escrever 1) não era simples; 2) era mais do que uma história; 3) geralmente não tinha cem páginas –podia inclusive chegar às quase oitocentas de "Harmonia Caelestis" (2000), sua obra-prima.

"Só conseguimos escrever o que conseguimos escrever. Os meus livros são assim: eu quero contar uma história e não consigo, pelo menos não do jeito tradicional. A crítica diz que é o meu estilo, o que me faz pensar que o estilo de um escritor tem mais a ver com o que ele não sabe do que com o que ele sabe", disse, com seu tom sempre leve, sem estridência, de discreta ironia.

Editei os dois livros de Péter Esterházy publicados no Brasil, "Uma Mulher" (2010) e "Os Verbos Auxiliares do Coração" (2011), pela Cosac Naify, traduzidos pelo destemido Paulo Schiller. E quase sempre editar significa longas conversas e trocas de e-mail.

Foi assim que soube que o irmão mais novo de Péter era jogador de futebol e jogou contra o Brasil num amistoso em 1986 em Budapeste, numa partida em que a Hungria venceu por 3 a 0.

Foi assim que soube de sua admiração por Jorge Luis Borges ("ele trata da incerteza da realidade, existe alguma realidade além das palavras? É como se ele tivesse vindo da lua"). E foi assim que soube (algo menos nobre) que comemorávamos aniversário no mesmo dia, 14 de abril.

Péter nasceu em 1950 e era herdeiro de uma linhagem conhecida da aristocracia húngara. Em 1948, durante o regime comunista, sua família perdeu os bens e privilégios.

Em "Harmonia Caelestis" ele narra os séculos de história da dinastia Esterházy a partir da perspectiva de um personagem que chama de "meu pai". Depois de escrita a obra, Péter foi arremessado num pesadelo: descobriu que seu pai havia trabalhado como informante da polícia secreta entre 1957 e 1980. Em 2002, publicou uma edição revista, sobre suas reflexões a partir da notícia das atividades escusas do pai.

"Não faço distinção entre ficção e não-ficção. Costuma-se dizer que o escritor deve manter uma distância entre ele e o seu objeto. Eu anulo essa distância, o que é o mesmo que infinito. Se não existe uma distância, então essa distância pode ser de qualquer tamanho", dizia Esterházy, que era também matemático.

Em 1985, escreveu sobre a morte da mãe em um de seus livros mais delicados, "Os Verbos Auxiliares do Coração". Sobre a obra, falou: "É incômodo quando alguém fala da morte. Mas silenciar também é ruim. Escrever não é uma solução. Não é verdade que escrever ajude em algo. Mesmo se o escritor estiver triste depois da morte de alguém, isso não importa. Só tem importância se o escritor conseguir colocar uma palavra ao lado da outra e criar a sensação de que está triste. Ou fazer com que o leitor pense na pessoa que morreu, ou que se lembre de determinada pessoa, caso ela tenha morrido também".

EMILIO FRAIA é escritor e editor


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