Folha de S. Paulo


Para crítico literário, poesia pop de Ana Cristina Cesar é ilusão

Só parece fácil, mas não é. Para o professor da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e crítico literário Sérgio Alcides, que participa na manhã deste domingo (3) do último debate da Flip, ao lado de Vilma Arêas, a obra de Ana Cristina Cesar precisa de bons leitores –que escapem das armadilhas que a poesia da autora apresenta.

Alcides lança em Paraty "Armadilha Para Ana Cristina" (ed. Verso Brasil), coletânea de ensaios sobre poesia contemporânea. O primeiro ensaio é justamente sobre a autora homenageada.

"Não tenho dúvidas que, do ponto de vista crítico, a homenagem é justíssima. Mas não tenho a ingenuidade de achar que foi o ponto de vista crítico que determinou a homenagem", afirma. "De todo modo, é oportuno. Podemos aproveitar para dar rendimento crítico para a obra dela".

Keiny Andrade/Folhapress
Paraty, RJ, 30.06.2016 - FLIP 2016 ILUSTRADA - Retrato do poeta, pesquisador e professor Sergio Alcides. FOTO: Keiny Andrade/Folhapress
O crítico literário e professor da UFMG Sérgio Alcides, em Paraty

Alcides comentava, entre outros assuntos, o artigo de Felipe Fortuna publicado na quarta (29), questionando a escolha de Ana C. pela Flip.

Para ele, um dos enganos sobre os livros da poeta é a ilusão de que são literatura pop. É a razão pela qual leitores com menos estofo podem gostar dela –e o mesmo motivo pelo qual críticos podem odiá-la.

"Talvez ela precise de uma leitura menos reacionária e menos cabeça de vento. É uma poesia difícil, mas com aparência de facilidade. Talvez isso gere incompreensão", diz.

Segundo o crítico, o ícone de Ana C. se presta, involuntariamente, a homenagens festivas: uma moça bonita, fotogênica, de óculos escuros –e trágica.

Mas aí está outra "armadilha" em que é fácil cair: deixar-se fascinar, por estranho que pareça, pelo suicídio da poeta, escreve Alcides. O encantamento que esse ponto da biografia de Ana C. desperta nos leitores não costuma ser debatido pelos críticos.

"É o mito sacrificial do artista, que nos lega uma obra grandiosa, mas cujo preço é pago pelo seu tormento pessoal. Há uma estetização do sofrimento do artista. Há um interesse mórbido pelo suicídio. É como se gozássemos com a dor de um outro que nos fez bem."

Alcides lembra que tal fascínio pela tragédia dos artistas não é novidade –era intenso durante o romantismo, mas em outros períodos da história já é possível localizá-lo.

suicídio

Na crítica, explica ele, o problema é quando o suicídio vira uma chave de leitura ("Como se o suicídio fosse o único ato estético dela").

"Há interesse por estudar outras poetas que se suicidaram, como se em si isso fosse uma questão literária. Essa tendência dificulta ainda mais a leitura de uma poesia que já é difícil."

Para Alcides, é o mesmo erro de se tentar interpretar um livro segundo a biografia de seu autor. "O impressionante na obra da Ana Cristina é justamente o questionamento sobre a possibilidade de a experiência ser retida pela escrita."

Ao falar do que considera outro erro comum na crítica sobre Ana C., Alcides põe a mão em um vespeiro. Para o crítico, é um problema quando a poeta é encaixada nos "estudos de gênero" –o que para ele só não é mais questionável que a existência desse campo como uma disciplina independente na academia.

Chamada Flip

"Não gostaria de me confundir com um anti-feminismo. Não quero ser chamado de Bolsonaro da faculdade de letras. O que me preocupa é a redução da obra a esse aspecto."

Sobre essa questão, o convidado da Flip recomenda a leitura da obra crítica de Ana Cristina Cesar, menos lida do que seus poemas. A Ana Cristina foi pioneira nessa discussão, mas já a introduz problematizando", afirma Alcides.


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