Folha de S. Paulo


Mesa de Cuenca e Luiselli na Flip é marcada por ironia e política

Numa mesa com o título "A História da Minha Morte" não poderia faltar ironia. Como tem sido em toda a Flip deste ano, também não faltou política.

O brasileiro João Paulo Cuenca e a mexicana Valeria Luiselli fizeram o público rir e aplaudir seus comentários sobre morte, homônimos, cidade, capitalismo e defenestração de políticos.

O livro que Cuenca está lançando, "Descobri que Estava Morto" (Planeta, 2016), conta a história de sua própria morte —em 2011, foi informado por um inspetor que um cadáver encontrado num prédio ocupado na Lapa, bairro-gênese da boemia carioca, portava como documento a sua certidão de nascimento.

A ironia da situação permitiu que Cuenca fizesse muitas piadinhas durante a mesa —frases como "tenho todos os documentos do meu óbito"—, o que divertiu a plateia. O próprio descreve o ato de falar em evento literários como uma performance, que nada tem a ver com literatura.

Luiselli veio com uma situação talvez menos bizarra, mas hilária. Contou que começou a receber, em seu apartamento nos Estados Unidos, notas fiscais de um Richard T. Gere, mesmo nome do ator de "Uma Linda Mulher".

A política também era tema inevitável, tanto pelo momento pelo qual passa o país, quanto pelo conteúdo do livro de Cuenca. Ao falar de sua "morte" na Lapa, o autor descreve também a situação da cidade transformada a pretexto dos Jogos Olímpicos.

O mediador, o jornalista mexicano Ángel Gurría-Quintana, chegou a comentar que o livro fala não só da morte de Cuenca, mas da morte da cidade.

"Enquanto escrevia o livro, estava lendo muito Lima Barreto, ele foi um farol. Na época dele houve muitas mudanças no Rio com o prefeito Pereira Passos. Temos hoje no Eduardo Paes nosso Pereira Passinhos. Barreto fala também de uma imprensa que se comporta como partido político. Vejo, hoje, 100 anos depois, a mesma imprensa prostituída atendendo à direita", disse Cuenca, que criticou o que ele vê como o domínio da especulação imobiliária na cidade.

"A gente, na nossa bolha, não sente tanto a seletividade da democracia brasileira. Quem mora na favela não tem isso. A ditadura continua para boa parte da população brasileira", disse, e foi aplaudido.

Luiselli também falou sobre a importância da cidade na construção do seu romance, "A História dos Meus Dentes" (Alfaguara, 2016).

"Ouvindo o JP falar sobre as consequências da especulação imobiliária vejo com o Brasil e o México são similares. O bairro onde o livro se passa é um lugar onde há muitas fábricas, cruzado por uma auto-estrada, uma espécie de não-lugar, terra de ninguém. É um espaço de capitalismo voraz, marcado pela ausência de espaços públicos, onde só há os vestígios da indústria. Acho que meus livros funcionam como mapas, unem pontos de uma constelação que não estava clara, e gostaria de fazer o mesmo com esse lugar."

A política voltou ao palanque durante a sessão de perguntas da plateia, quando indagaram a Cuenca o que faria se fosse ele próprio o presidente.

"Defenestraria todo mundo que está no poder agora. A prioridade do brasileiro tem que ser fazer de tudo para que esse governo caia. A gente não pode parar de falar isso."

Ao que Luiselli sugeriu: "Podemos fazer o mesmo no México". E Cueca respondeu: "sim, e no Reino Unido. Podemos fazer uma revolução mundial."

Chamada Flip


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