Folha de S. Paulo


'Toda literatura é cômica', diz autor português que lança guia de humor

"Sabia que tenho família em São Paulo? Meus tios se mudaram para lá nos anos 1940. E você não vai acreditar...", diz o humorista português Ricardo Araújo Pereira à Folha, fazendo uma pausa de suspense. "Eles foram bem-sucedidos em um negócio, Adivinhe! De padarias!", ri.

Até quando RAP, como é conhecido em Portugal, fala sério, parece brincadeira. Mas se engana quem pensa que o papo do humorista seja só fazer gracinha.

Uma das atrações da Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) nesta sexta-feira (1º), o escritor é quase uma enciclopédia da história do humor e consegue citar numa mesma frase Monty Python, Platão e Kant. Não é piada.

Keiny Andrade/Folhapress
O escritor e humorista português Ricardo Araújo Pereira em Paraty
O escritor e humorista português Ricardo Araújo Pereira em Paraty

Celebridade em sua terra natal, onde criou em 2003 o grupo de humor Gato Fedorento (uma espécie de Porta dos Fundos local), RAP, 42, falará sobre texto humorístico na mesa que divide com Tati Bernardi, colunista da Folha.

"Sou uma pessoa que escreve anedotas, piadas, como vocês preferem. E por isso estar aqui com a prêmio Nobel da literatura é normal, com certeza", brinca, sobre sua estreia na Flip nesta edição que conta com Svetlana Alexievich.

Ele, que é cronista da revista portuguesa "Visão" e participa do programa "Governo Sombra" no canal de TV RTP, elogia a presença no evento de uma mesa sobre humor. "De certo ponto, toda literatura é humorística, é um jogo essa ideia de imitar a realidade."

"'Dom Quixote' tem humor, escritores como Molière e Dickens, por exemplo, são essencialmente humoristas. O humor é uma forma de anestesiar o coração, no sentido de que o mundo é duro, difícil de suportar."

Para ele, assim como a filosofia, o humor é um raciocínio específico, uma forma de olhar e pensar as coisas. "O William James diz que a filosofia é um raciocínio que olha para as coisas estranhas como se fossem familiares. Esse exercício é humorístico."

O humorista, que também arriscou alguns passos pelo jornalismo (desistiu, diz, porque, entre outras coisas, nunca perguntava o nome de quem estava entrevistando), falará em Paraty do livro que lançará no Brasil e em Portugal em setembro, "A Doença, o Sofrimento e a Morte Entram num Bar "" Uma Espécie de Manual da Escrita Humorística" (ed. Tinta da China Brasil).

O título da obra, segundo ele, remete à maneira como quase todas as piadas começam. Já o subtítulo gera outra reflexão. "Entende-se que a escrita humorística não se pode aprender, que seria um dom. Não acredito nisso. Talvez seja difícil ensinar, mas não é impossível aprender", fala, enquanto fuma um charuto.

"Na verdade acham que a escrita em geral vem de uma divindade. E isso não se aplica a nenhuma outra arte. Se a pessoa quer fazer cinema, vai para a escola de cinema. Se quer ser ator, vai estudar teatro. Mas não há escola para o ofício de escrever."


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