Folha de S. Paulo


Empresas do grupo Bellini já captaram R$ 80,6 milhões pela Lei Rouanet

Nelson Antoine/Folhapress
Agentes chegam à Superintendência da Polícia Federal, trazendo detido na Operação Boca Livre
Agentes chegam à Superintendência da Pol'ícia Federal, trazendo detido na Operação Boca Livre

Principal alvo da operação Boca Livre, deflagrada nesta terça (28) pela Polícia Federal, o Grupo Bellini Cultural já captou R$ 80,6 milhões via Lei Rouanet. A ação investiga desvio de R$ 180 milhões de recursos federais em projetos culturais aprovados junto ao Ministério da Cultura com benefícios de isenção fiscal.

A Folha teve acesso a uma lista parcial com 88 projetos que a Polícia Federal deve analisar. Desses, 23 foram feitos pelas cinco empresas do grupo. Os valores captados somam R$ 11,9 milhões.

Irregularidades nos projetos realizados pelas empresas de Antônio Carlos Bellini Amorim já eram conhecidas pelo MinC há cinco anos, de acordo com despacho do MinC, datado de 30 de julho de 2015.

Em 2011, segundo o documento, o Ministério Público Federal encaminhou ao ministério denúncias de uso irregular de verba pública contra o empresário. A partir disso, o MinC constatou que, entre as práticas irregulares, estão a apresentação de fotos e documentos fraudados para comprovar realização de evento ou produção de livro. Em 2013, o ministério inabilitou as empresas, que não mais poderiam captar pela Lei Rouanet.

Bellini tentou acordo com o MinC entre fevereiro e abril de 2015: propôs realizar os projetos para os quais recebeu valores da Rouanet e, em contrapartida, poderia voltar a receber verbas de isenção fiscal.

Em julho do ano passado, a Advocacia-Geral da União sugeriu o indeferimento do acordo. O MinC acatou esta decisão.

De acordo com investigadores da operação, Bellini usou recursos públicos para pagar despesas do casamento de um familiar. A festa de luxo aconteceu na praia Jurerê Internacional, em Florianópolis. Ele e a mulher foram detidos na manhã desta terça. Uma BMW foi apreendida na casa do casal.

OUTRO LADO

A reportagem tentou falar com a família de Antonio Carlos Bellini em sua residência, em um condomínio de apartamentos de alto padrão, no Morumbi, zona oeste de São Paulo. Foi recebida por um dos filhos do casal, adolescente, e pela diarista.

Eles afirmaram que o empresário saiu de casa pela manhã em direção à sede da Polícia Federal, na Lapa, e não voltou. Os advogados de Belllini, Eduardo Zynger e Maria Elizabeth Queijo, passaram o dia na Superintendência da Polícia Federal e não retornaram os pedidos de entrevista da reportagem.

O advogado de Odilon Costa Filho, José Luís Oliveira Lima, também não quis se manifestar sobre a investigação e a prisão de seu cliente, que está na carceragem Polícia Federal, em São Paulo.

A assessoria de imprensa das Lojas Cem disse que a Polícia Federal esteve na empresa "solicitando documentos e informações sobre empresas que lhe prestaram serviços no âmbito da Lei Rouanet". Segundo a nota, a empresa colaborou com a busca e apreensão.

A nota acrescenta ainda que "os projetos culturais nos quais investimos foram feitos, de nossa parte, dentro da mais absoluta regularidade" e que a postura das Lojas Cem "com todas as pessoas e instituições com as quais se relaciona é de total transparência e completa lisura".

O Grupo NotreDame Intermédica, que também foi alvo da busca e apreensão nesta terça-feira, diz que os policiais federais foram até a sede da empresa para a "coleta de documentos e informações relacionados a empresas terceiras de marketing de eventos (alvos da investigação) que prestaram serviços ao Grupo NotreDame Intermédica no âmbito da Lei Rouanet".

Segundo a nota, "o Grupo NotreDame Intermédica informa que não é objeto de investigação na denominada Operação Boca Livre conduzida pela Polícia Federal e enfatiza que não cometeu qualquer irregularidade". A nota da assessoria de imprensa diz ainda que o grupo colaborou e continuará colaborando com a investigação.

A KPMG no Brasil diz, em nota, que não é objeto de investigação na Operação Boca Livre e "o fato da PF comparecer ao nosso escritório se deu pelo cumprimento de diligência para coletar documentos referentes a contratos com empresas alvos da investigação e que prestaram serviços para a KPMG no apoio a projetos culturais".

A Roldão Atacadista afirmou em nota que "contratou a Bellini Eventos Culturais para a realização de dois projetos culturais e que, na manhã de terça (28), foi requerida pela Polícia Federal, no âmbito da Operação Boca Livre, a apresentar a documentação referente a esses serviços. A empresa informa que não é alvo da operação e que já entregou à força-tarefa todos os documentos solicitados. Por fim, reforça que está colaborando com a investigação, à disposição de todas as autoridades para prestar quaisquer esclarecimentos e que não admite qualquer tipo de irregularidade ou ilegalidade em suas atuações".

As empresas Cecil, Nycomedes Produtos Farmacêuticos e Laboratório Cristália, que também foram alvos de busca e apreensão na terça-feira, não atenderam os pedidos de entrevista da reportagem.

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ENTENDA A LEI ROUANET

O que é a Lei Rouanet?

Sancionada pelo presidente Fernando Collor em 23 de dezembro de 1991, a lei 8.313 instituiu o Programa Nacional de Apoio à Cultura, que implementou mecanismos de captação de recursos para o setor cultural. Um deles é o incentivo à cultura, ou mecenato (que popularmente ficou conhecido como Lei Rouanet).

Como funciona o incentivo cultural?

O governo federal permite que empresas e pessoas físicas descontem do Imposto de Renda valores diretamente repassados a iniciativas culturais, como produção de livros, preservação de patrimônios históricos, festivais de música, peças de teatro, espetáculos de circo, programas audiovisuais etc. Ou seja, em vez de pagar o imposto da totalidade, você reverte parte dele a um projeto cultural.


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