Folha de S. Paulo


Livro de jornalista traz relatos sobre sua trajetória como cadeirante

O jornalista Jairo Marques, em geral, acorda às 7h30, brinca na cama com a filha, Elis, de um ano. Toma café com a mulher, Thaís, e, lá pelas 11h, dirige até a Redação da Folha, na região central de São Paulo.

No jornal, onde trabalha desde 1999, é repórter, blogueiro e colunista. Já cobriu, por exemplo, a Paraolimpíada em Londres, um caso de prostituição de adolescentes em Teresina e um blecaute de energia em Florianópolis.

Faz adaptações devido à cadeira de rodas, da qual depende desde os nove meses de idade. Mas esse cidadão de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, recusou-se a ocupar o lugar de vítima.

Eduardo Anizelli/Folhapress
SAO PAULO, SP, BRASIL, 23-06-2016, 19h30: Retrato do jornalista Jairo Marques, com sua filha Elis, em seu apartamento em Sao Paulo. Jairo lanca o livro
O jornalista Jairo Marques com a filha Elis em seu apartamento, em São Paulo

A obstinação em se desenvolver é o que se extrai de "Malacabado", um livro que a editora Três Estrelas, do Grupo Folha, lança nesta terça-feira (28).

O resultado de suas conquistas pessoais é a consciência de que a inclusão, no Brasil, ainda precisa amadurecer. Essa é a intenção do livro: "Reforçar a necessidade de as pessoas verem um cadeirante, um cego, um surdo de outra maneira", afirma.

A facilidade com que pegou táxis na Inglaterra e a quantidade de pessoas com alguma deficiência que viu nas ruas de Nova York lhe mostraram o quanto seu país ainda pode avançar.

CASOS ÍNTIMOS

Mas a abordagem é pessoal. Marques expõe as próprias qualidades e defeitos, no intuito de, assim, questionar a imagem de herói ou de inválido que recai sobre pessoas com deficiência.

"Contei casos íntimos de namoro para mostrar que não sou um mocinho. Sou homem, também piso na bola", conta o repórter, que deixou moças desamparadas ao desmanchar relações.

Ao mesmo tempo, o autor relata episódios em que a atitude de pessoas a seu redor foi decisiva, para o bem e para o mal. A diretora da escola que tentou expulsá-lo por supostamente ocupar o espaço de três estudantes deixou marcas indeléveis, assim como o colega que nem amigo era, mas lhe deu de presente uma cadeira motorizada.

O título provocativo do livro nasce do incômodo com o contrassenso de empregar termos polidos, como "pessoa portadora de necessidades especiais", quando o trato cotidiano, no país, é bem mais bruto.

"Assumir-se malacabado é, ao mesmo tempo, consequência do cansaço diante de uma sociedade que cobra perfeição e um chamamento à realidade: existirá alguém que possa dizer-se inteiramente acabado, perfeito?", questiona o autor, no prefácio da obra.

HISTÓRIA

Marques, 41, teve poliomielite aos nove meses e perdeu o movimento das pernas e parcialmente o do braço esquerdo. Em uma madrugada gelada de abril de 1975, sua mãe ouviu que perderia o caçula na Santa Casa de Misericórdia de São Paulo.

Marli lutou pela sobrevivência de Jairo naquela noite e, nos anos seguintes (já são mais de quatro décadas), não desistiria de batalhar pela qualidade de vida do filho. É a ela que ele dedica o livro.

E é Elis, a filha que pula do sofá para a cama e corre do quarto para a cozinha, que o faz pensar no futuro.

"Claro que eu queria ser o pai que a carrega de um lado para o outro", ele diz, emocionado. "Não é legal ser cadeirante, não é um presente de Deus." Ainda que procure não projetar expectativas sobre Elis, Jairo encontra conforto na personalidade enérgica da filha. "Vê-la inquieta, querendo descobrir o mundo, com mil possibilidades, me realiza, não vou negar."

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Livro será lançado nesta terça

"Malacabado", de Jairo Marques, será lançado hoje, das 18h30 às 21h30, na Livraria Martins Fontes (av. Paulista, 509). Editado pelo Três Estrelas, selo do Grupo Folha, o livro narra a trajetória do jornalista cadeirante.

Na quinta-feira (30), o lançamento será na Flip (Festa Literária Internacional de Paraty). O autor participa, ao lado do escritor Alexandre Vidal Porto, da mesa Sociedade da Intolerância, às 10h, na Casa Folha.

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MALACABADO
AUTOR Jairo Marques
EDITORA Três Estrelas
QUANTO R$ 34,90 (176 págs.)


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