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análise

'Warcraft' prova que o cinema agora é um negócio da China

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O filme "Warcraft" tinha tudo para sumir do mapa após uma estreia pífia nos cinemas americanos, rendendo apenas US$ 24 milhões em todo o fim de semana. Mas a adaptação do game de sucesso pelo diretor Duncan Jones ("Lunar") deve virar um marco na história do cinema comercial. Tudo por causa da China.

O longa-metragem de US$ 160 milhões estreou em meio a um feriado no país oriental e faturou, em apenas cinco dias, US$ 156 milhões. Os valores mostraram a disparidade entre os dois maiores mercados do planeta e, em termos de comparação, ultrapassaram os US$ 124 milhões que "Star Wars - O Despertar da Força" rendeu em toda a carreira na China.

Não é nenhuma novidade uma produção hollywoodiana ser "salva" pelos chineses após um fracasso local —caso de "Círculo de Fogo" (2013), por exemplo. Contudo, com a ascensão meteórica do mercado da China, "Warcraft" mostra que os grandes estúdios podem começar a pensar em longas milionários que podem ficar até fora do circuito ianque no futuro.

Afinal, a fantasia de Jones teve 90% da sua renda total (US$ 412 milhões) gerada pelo mercado internacional. Dos US$ 368 milhões captados por "Warcraft" fora dos EUA, US$ 200 milhões vieram dos cinemas chineses —enquanto os americanos geraram apenas US$ 43 milhões para a Universal e sua parceira, a produtora Legendary. "Isso entrará para a história como um recorde em termos de diferença entre as bilheterias americana e chinesa", disse o analista sênior da Exhibitor Relations à revista "Wired".

Mas o sucesso oriental de "Warcraft" não é um acidente de percurso. Pelo contrário: foi um jogo de paciência por parte de Thomas Tull, presidente da Legendary, que há dez anos investe no mercado asiático. Não foi coincidência que o "Batman - O Cavaleiro das Trevas" (2008), de Christopher Nolan, teve cenas rodadas em Hong Kong, assim como "Hacker" (2015), de Michael Mann. Ou que "Círculo de Fogo" tenha apelo na China. Todos foram produzidos por Tull.

O namoro ficou mais sério em 2011, quando o empresário abriu uma filial no país. Mas o casamento mesmo foi em janeiro passado, quando a Legendary —que atua em parceira com a Universal na distribuição no ocidente— foi comprada por US$ 3,5 bilhões (em dinheiro vivo e não ações) pela Dalian Wanda Group, o maior conglomerado de entretenimento da China. O grupo já era dono da rede de cinemas AMC, a segunda maior dos Estados Unidos, e, com a compra da empresa, ele bateu o martelo no que ainda é o maior negócio entre Hollywood e China de todos os tempos.

Com a Legendary virando parte da Dalian Wanda —única companhia que consegue rivalizar com a poderosa Disney na China—, "Warcraft" ganhou uma ajuda vital: fazer parte do circuito do grupo, que equivale a 67% dos 39 mil cinemas que existem na China. O filme, assim, não ficou restrito somente aos grandes centros do país, mas foi exibido em cidades menores do interior.

"Warcraft" também foi fatiado entre empresas chinesas para pagar o orçamento de US$ 160 milhões, como a China Film Group, controlada pelo governo, e a Tencent, um dos maiores conglomerados de mídia do país. A entrada desses jogadores na construção do filme garantiu uma campanha de marketing em massa na China. Foram 26 marcas patrocinando o longa, da fabricante de computadores Lenovo à Intel, rendendo US$ 20 milhões em parceiras e, principalmente, levando o longa para toda a população.

Times de especialistas, antes mesmo da Legendary perceber que a produção estava fadada ao fracasso nos EUA, foram enviados a Pequim e Xangai para forjar uma campanha publicitária abrangente e única. O estúdio cedeu imagens exclusivas para que as equipes trabalhassem em redes sociais e trailers específicos para cada localidade.

Assim como "Círculo de Fogo", "Warcraft" certamente terá uma continuação, algo impossível de acontecer há alguns anos sem o respaldo do mercado americano. E a tendência é que o longa torne-se um marco, já que a China deve ultrapassar os Estados Unidos como maior mercado de cinema do mundo já em 2017, um ano antes da previsão dos analistas.

Acha que é um exagero? Pense apenas uma coisa: nas 24 horas em que essa matéria foi escrita e você a leu, 15 novos cinemas foram construídos na China.


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