Folha de S. Paulo


Como era ser fotografado por Bill Cunningham, lendário nome da moda

Ele chamava mulheres crescidas de "criança", e usava o termo "muffin" para se referir aos seus amigos jovens. Bill Cunningham era presença habitual nas ruas de Nova York há 50 anos. Paris e Londres também o conheciam.

Mas era alguém difícil de definir: uma sombra sempre correndo com sua câmera, um homem de 73 anos que ainda se preocupava em escapar das "armadilhas dos ricos".

Abaixo, pessoas que o conheceram ou o observaram desde seus dias como criador de chapéus nos anos 50 falam a seu respeito.

Carlo Allegri/Reuters
Bill Cunningham, fotógrafo do
Bill Cunningham, fotógrafo do "New York Times", durante a semana de moda nova-iorquina, em 2014

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Chappy Morris, investidor:
Minha mãe, Edna Morris, foi uma das últimas grandes damas. Ela era muito alta, muito magra, com os cabelos sempre perfeitamente penteados. Conhecia Bill de Nova York, e também de Saratoga. E Bill, você sabe, ama as pessoas à antiga. Era uma época de grande estilo e bons modos, e roupas maravilhosas. Um dia, muitos, muitos anos atrás, eu tinha saído com minha mãe para comprar roupas. Estávamos caminhando pela rua 57 e lá estava Bill, na esquina da Quinta Avenida. Ele tirou uma foto nossa, e enviou uma cópia à minha mãe. Foi uma de suas fotos favoritas, pelo resto da vida dela. Grandes sorrisos.

Anna Wintour, editora chefe da "Vogue":
Não sei quantas vezes ele me fotografou, mas todo mundo se arruma para Bill. Você sente que ele é a única pessoa que percebe ou se incomoda com a maneira pela qual você está vestida. Fica pensando se Bill gostará da roupa. E ele sempre escolhe uma foto lisonjeira. Escolhe tudo com muito cuidado, para que você pareça realmente muito bem. Ele é um cara muito sedutor.

Lesley Vinson, antiga diretora de arte da revista "Details":
Eu era punk, tinha o cabelo rosa. Não conseguia acreditar que ele estivesse interessado em mim, porque ninguém mais estava. Mas Bill estava mesmo interessado. "Por que você está vestindo esse saco plástico, muffin?" Eu fiquei completamente fascinada por aquele homem. Eu vinha de Detroit, e ele era exatamente o que eu imaginava que Nova York devia ser. Mas logo percebi que Bill era um em um milhão.

Polly Mellen, estilista de moda e editora:
Ele me fotografou muito. E às vezes eu nem sabia que ele estava me fotografando, o que era exatamente o ponto da história. Lembro-me de que ele me fotografou usando sapatos muito elegantes da Comme des Garçons, com pompons de raposa. Ele se liga demais em sapatos. E se liga demais em originalidade.

Isabella Blow, editora de moda da revista "Tatler", em Londres:
Ele faz com que você corra. Certa vez ele me perguntou: "Baby, você consegue ficar em cima daquela grade?" Estávamos diante do Louvre, eu em um vestido de chifon branco. Ele conseguia ver minha calcinha. Recentemente, eu estava caminhando pela rua em Paris quando ele simplesmente me agarrou e disse: "Vem cá, garota, posa aqui". Você não se incomoda, porque conhece aquela voz.

Oscar de la Renta:
Mais que qualquer outra pessoa na cidade, ele tem toda a história visual dos últimos 40 ou 50 anos de Nova York. É o escopo total da moda na vida de Nova York. E ele é um sujeito tão incrivelmente discreto. Não sei coisa alguma sobre a vida dele, exceto a bicicleta.

John Fairchild, antigo publisher da revista "Women's Wear Daily":
Um dia, eu estava almoçando no velho Le Cirque e comentei como as flores estavam bonitas. Alguém disse: "Oh, foi Suzette, a namorada de Bill, que fez o arranjo". Quando o vi, eu comentei: "Bill, seu malandro". Ele só sorriu.

Toni Cimino, amiga e decoradora floral, conhecida como Suzette:
Eu o conheci quanto ele tinha 26 ou 27 anos, e ele fazia chapéus. Você acredita? Mudei-me para um apartamento no terceiro andar de seu prédio, na Rua 54 Oeste. Quando o conheci, todas aquelas pessoas famosas, como a sra. Astor, costumavam esperar na calçada para poderem assistir aos seus desfiles. Errol Flynn estava do outro lado da rua, esperando a namorada, que era modelo. Não consegui sair do prédio naquele dia.

Joe Eula, ilustrador:
Nos anos 50, eu vivia do outro lado da rua, diante de seu apartamento. Ele ainda usava o nome William J. O estúdio dele ficava em uma casa na rua 54, e me lembro de que havia um chapéu na janela, com um véu que se estendia da aba ao chão. Era um chapéu para praia, e a pessoa supostamente podia usar o véu para se esconder e trocar de roupa. Liguei para Sally Kirkland, que era editora de moda na revista "Life", e disse que ela precisava ver aquilo. Ela publicou uma foto na revista. Bill era um completo inovador desde o primeiro minuto. Os chapéus dele são uma eterna grande ópera.

Elizabeth Corbett, antiga modelo e dona do Chez Ninon:
Conheci Bill em 1960, quando eu era modelo na Chez Ninon. A loja ficava no numero 487 da Park Avenue e as donas eram Sophie Shonnard e Nona Parks. Eram duas velhas ardilosas —ninguém conseguia enganá-las. Uma vez, quando alguém em Paris lhes deu o preço de um vestido, elas responderam: "Agora vá lá, aponte seu lápis e nos dê outro preço". Balenciaga fugia correndo quando as via. A loja era um lugar maravilhoso. Tínhamos lançamentos todos os dias, de terça a sexta. Todo mundo aparecia, de Diana Vreeland a Babe Paley e sua irmã Betsy Cushing. Quando Jackie Kennedy foi para a Casa Branca, ela ia à loja para provar roupas. Todas as irmãs Kennedy frequentavam a loja. Rose Kennedy também. E Bill sempre estava lá. Shonnard e Parks o ajudaram muito no começo. Acho que lhe ensinaram muita coisa. E o apresentaram a muita gente.
Bill tinha um velho Rolls-Royce, e levava as amigas de carro a Southampton. Era um personagem conhecido na cidade. Quando os maridos dessas mulheres morriam, elas diziam: "Você não quer dar uma olhada nas roupas dele?" Assim, Bill sempre tinha um smoking.

Mort Sheinman, editor executivo aposentado da "Women's Wear Daily":
Quando Bill começou a trabalhar para a "Women's Wear Daily", nos anos 60, eu cobria a Sétima Avenida. Sabíamos que John Fairchild era capaz de tudo, e então chegou Cunningham. Ele parecia espantado, quase atônito. Não acho que estivesse preparado para o ambiente de uma redação —uma redação suja, como a do jornal em "The Front Page"—, o barulho inacreditável, as máquinas de escrever manuais sendo espancadas, o tique-taque das máquinas de teletipo, a gritaria do pessoal de um lado a outro do salão. Aquela redação sórdida e maravilhosa. E lá chega aquele sujeito que fazia chapéus, e Fairchild lhe deu uma coluna. Imagine, uma coluna! Todo mundo ficou de cara feia com ele, na hora. Todo mundo se ressentiu. Mas depois de conhecer Bill, não é possível guardar ressentimentos. Ele certamente conhecia o mundo da moda, e era um repórter maravilhoso. Ele era muito bom.

John Fairchild:
Contratei Bill para trabalhar na "Women's Wear" porque ele tinha pique, energia, e muita graça. E conhecia todo mundo. Não ficava sentado na redação falando. Saía à rua e voltava com as melhores histórias. Todo mundo no escritório o invejava.

Annie Flanders, fundadora da revista "Details":
Conheci Bill em 1967, quando abri minha loja, a Abracadabra, e ele estava trabalhando para o "Chicago Tribune". Minha ideia era lançar estilistas que estavam costurando em casa, e lhes dar espaço no varejo. Alguns deles fizeram boas carreiras, entre os quais Wili Smith. Bill simplesmente adorou a loja. Depois morei fora do país por três anos e, quando voltei, me encontrei com Bill por acaso e ele me encorajou a voltar à moda. Em 1976, comecei a trabalhar para o "SoHo Weekly News" e convidei Bill a fazer algumas reportagens de moda. Criamos a "Details" quase literalmente na noite em que o "SoHo Weekly News" fechou, em abril de 1982 —eu, Ronnie Cooke, Stephen Saban, Lesley Vinson, Megan Haugs e Bill Cunningham.

Lesley Vinson:
Eu tinha 24 anos quando conheci Bill, e ele se tornou a influência formadora de minha vida. Ensinou-me a contar uma história com imagens, e que ela nem sempre envolve a melhor imagem. Eu lhe dizia: "Mas essa foto não é melhor?" E ele dizia: "Sim, criança, mas essa outra conta a história melhor". Para ele, não importava a estética da fotografia, mas seu poder narrativo.

Annie Flanders:
Bill era sempre o primeiro a saber quando algo era grande, quer um novo estilista, quer uma nova coleção. Ele foi o primeiro jornalista nos Estados Unidos a escrever sobre Azzedine Alaia, e acho que o primeiro a escrever sobre Gaultier. Se ele via algo de especial em uma coleção de outono, pela altura da coleção de primavera, todo mundo estava elogiando a mesma coisa. Ele era absolutamente um líder. Lembro-me que uma vez ele colocou um vestido da Armani ao lado de um desenhado por Diaghilev, para mostrar que Armani não era original. As pessoas da Armani ficaram insanas e tiraram sua publicidade da revista. Para sempre. Quando Bill publicou uma foto de algo que Isaac Mizrahi havia copiado, Isaac foi muito amável. Garantiu que tivéssemos cadeiras na primeira fila para todos os seus desfiles, depois disso.

Ruben Toledo, ilustrador:
As reportagens de moda de Bill na "Details" eram tão cinematográficas. Era como assistir a "Yellow Submarine". Ele conduzia o leitor para cima, para baixo, para o lado. Atraía a atenção do leitor com seu conhecimento.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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