Folha de S. Paulo


Nesta semana, TV exibe clássicos de Fassbinder, Coppola e Truffaut

A programação de TV desta semana traz obras-primas de Fassbinder, como "Lili Marlene", Coppola ("Tetro"), Truffaut ("De Repente, Num Domingo") e produções com Marilyn Monroe —"Os Homens Preferem as Loiras" e "O Pecado Mora ao Lado".

Entre os brasileiros, destaque para "24 Horas de Sonho", clássico da Cinédia, e o documentário "A Batalha da Maria Antônia".

Leia abaixo quais são os destaques desta semana, selecionados pelo crítico da Folha Inácio Araujo:

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Lili Marlene

SEGUNDA (30)

Tantas vezes dedicado à Alemanha do pós-guerra, em "Lili Marlene" (1981, Arte1, 10h45 e 3h45, 14 anos) Rainer Werner Fassbinder retrocede aos anos do hitlerismo para narrar a história de uma canção e de sua cantora.

A canção viria a se tornar uma espécie de hino internacional dos soldados em guerra: um estranho canto de alento e dor, simultaneamente.

O diretor fixa-se na história de Willie (Hanna Schygulla), a cantora alemã apaixonada por um compositor judeu que se torna um sucesso imediato e um símbolo do Reich depois de interpretar a canção. Essa contradição central forma, com outras que virão, o magnífico núcleo melodramático do filme de Fassbinder.

Que, recordemos, depois de passar a vida em pequenas produções, nesse momento atingia um prestígio mundial que lhe permitia filmar longas-metragens em que o luxo sobressai, tão mais paradoxal quanto em meio à carnificina da guerra.

Tetro

TERÇA (31)

Graças a Édipo, sabemos todos da história do filho que deseja eliminar o pai. "Et pour cause", parece ecoar Francis Coppola em seu magnífico "Tetro" (2009, 12 anos, Arte1, 15h45).

Pois nesse filme, que é um ressurgimento após vários trabalhos de segunda linha, Tetro carrega uma impossibilidade de viver ligada diretamente à tirania paterna. Para existir, para ser o maestro famoso que se tornou, o pai deve esmagar os filhos.

Para sobreviver, Tetro se refugia na Argentina, no exílio, numa espécie de não existência, na verdade. Ali vai encontrá-lo o irmão mais novo, Bennie, que sente falta de Tetro.

Coppola nos conduz pelos caminhos mal traçados da vida familiar, em que se constrói o labirinto de afetos e dores em que todos se enredam.

Com menos angústia, não menos inteligência, podemos nos apegar a "De Volta para o Futuro" (1985, livre, TC Cult, 23h50).

Os Homens Preferem as Loiras

QUARTA (1º)

Uma sessão dupla Marilyn Monroe nunca é mau negócio. Em especial se estiverem em questão duas obras-primas, como "Os Homens Preferem as Loiras" (1953, livre, TC Cult, 20h10) e "O Pecado Mora ao Lado" (1955, livre, TC Cult, 22h).

No primeiro, o musical de Howard Hawks, convém lembrar que Marilyn ainda era o segundo nome do elenco (Jane Russell era a estrela principal), mas o próprio filme fixaria Marilyn como a número um.

Isso será incontestável na comédia Billy Wilder que passa a seguir, em que ela vai morar no apartamento vizinho ao de um simpático homem cuja mulher acaba de sair de férias, levando o filho.

No Curta!, a oportunidade de ver ou rever "Moscou" (2009, livre, 16h20), discutido trabalho de Eduardo Coutinho (talvez documentário, talvez não). O mesmo canal desencava "24 Horas de Sonho" (1941, livre, 22h05 e 2h05), de Chianca de Garcia, na sessão dedicada às produções Cinédia (a este voltaremos).

O Porto

QUINTA (2)

Se já era interessante quando foi feito, em 2011, que dizer de "O Porto" (Arte1, 12 anos, 16h) agora que a imigração da Ásia ou do norte da África se tornou um drama europeu (já para não dizer universal).

No filme do finlandês Aki Kaurismaki, o jovem Idrissa consegue permanecer num contêiner, e escapar das garras da polícia francesa, quando o navio em que viaja chega ao porto de Le Havre.

Depois que consegue entrar em território europeu, é localizado e protegido por um antigo artista, hoje engraxate. Apesar de acolhido, Idrissa enfrentará dificuldades, e não poucas. A vida, o tratamento recebido, o olhar suspeitoso do europeu, a rejeição e, sobretudo, o risco de ser deportado pela polícia estão presentes aqui.

À noite, mais alegre, o "noir" "De Repente, Num Domingo" (1983, 12 anos, TV5 Monde, 19h30), o último, luminoso François Truffaut.

Bergman & Magnani

SEXTA (3)

Ótimo dia para o documentário. Digamos que o cinéfilo seja ligado na vida das estrelas. Bem, às 17h o Arte1 entra com "Bergman & Magnani" (2012, livre). O filme de Francesco Patierno tem como título original "a guerra dos vulcões".

Alusão ao caráter vulcânico de Anna Magnani e também ao vulcão da ilha de Stromboli, onde Ingrid Bergman filmou em 1948 e onde começou seu romance com Roberto Rossellini. Não é apenas o amor de Rossellini que estava em jogo. Toda a indústria cinematográfica (a americana, no caso) foi abalada ao perder sua principal estrela, naquele momento, para a Europa.

Guerra por guerra, "A Batalha da Maria Antônia" (2014, livre, Curta!, 21h30 e 1h30) também muito significativa (a ela voltaremos).

 De novo os cinéfilos são convocados em "A Idade de Ouro da Música de Filme" (2009, livre, Curta!, 23h), em que Thierry Jousse e Nicolas Saada evocam a música de cinema entre os anos de 1965 a 1975.

24 Horas de Sonho

SÁBADO (4)

Jean Renoir se divertia com as exposições itinerantes de grandes quadros e pintores. Dizia que as pessoas passavam por aquilo sem entender nada. Acrescentava que aprenderiam muito mais sobre pintura se olhassem o quadro que seu vizinho está pintando.

O que falava se aplica bem aos que não suportam "filme nacional". Ok, às vezes é duro. Mas também vale voltar ao 1941 de "24 Horas de Sonho" (Curta!, livre, 22h) e acompanhar a história da suicida crônica que se hospeda num grande hotel para passar seu último dia disfarçada de baronesa.

Lá haverá uma princesa e um conde milionário, o chofer de táxi que a acompanha, ladrões e bailes.

E ainda a questão: por que todo mundo (da ficção) tentava sempre se passar por um outro (ser um outro) no cinema brasileiro. E no Brasil seria tão diferente? E não seria esse um desejo crônico que atinge, entre outros, tantos de nossos políticos de 2016?

A Batalha da Maria Antônia

DOMINGO (5)

Como vivemos a cultura? Antigas heroínas de Balzac, nos momentos de crise, recolhiam-se para ler romances. As moças dos anos 1960 saíam com os rapazes para conversar sobre os filmes que haviam visto. As de hoje comem.

A única arte que realmente implica partilha, sobre a qual todos parecem capazes (e dispostos) de conversar é a arte culinária.

Outro andamento é de "A Batalha da Maria Antônia" (2014, livre, Curta!, 19h30), documentário de Renato Carvalho Tapajós. A documentação é muito boa; o leque de entrevistas poderia ser mais amplo (não há ninguém do CCC ouvido, por exemplo), mas é bem informativo.

Estávamos em 1968, os estudantes amotinados, a ditadura ainda não de todo consolidada. Tratava-se de saber quem dominava a rua, diz alguém no filme. De um lado, os estudantes de esquerda; de outro, os de direita. Sabe-se quem ganhou a guerra. Mas a evocação desse momento faz todo sentido.


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