Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Ousadia inaugura colaboração de regentes-solistas com Osesp

A partir de uma tradição que remonta ao filósofo Longino (213-273), o crítico Harold Bloom sugere que o leitor que se depara com o sublime "precisa adiar o prazer, pondo de parte contentamentos mais fáceis em favor de uma recompensa mais demorada e difícil".

Faz parte da missão de uma orquestra como a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) apostar também nas recompensas situadas além de prazeres imediatos.

O programa apresentado na quinta-feira (26) —repetido na sexta e no sábado— trouxe três obras instrumentais densas, cada qual com dificuldades específicas de apreciação; mesmo assim, a maioria do público permaneceu atenta e concentrada.

"Khamma", encomenda de balé que Debussy (1862-1918) não terminou e que Charles Koechlin (1867-1950) orquestrou brilhantemente, é uma narrativa de transformações graduais, como as da luz que desenha a passagem do tempo em um ambiente.

Já "Metáboles" (1962-64) é uma impecável realização artesanal do também francês Henri Dutilleux (1916-2013), ainda pouco conhecido no Brasil, e que tem o seu centenário celebrado pela orquestra em uma programação distendida ao longo do ano.

Patrick Deslarzes/Divulgação
Heinz Holliger por Patrick Deslarzes
Heinz Holliger por Patrick Deslarzes

À orquestração primorosa alia-se um processo de metamorfoses harmônicas que interliga os cinco movimentos (Encantatório, Linear, Obsessivo, Torpe e Flamejante), respectivamente liderados por madeiras, cordas, metais, percussão e, ao final, a orquestra inteira.

Enfim, com o "Concerto nº 2 para Violino" do húngaro Béla Bartók (1881-1945), teve início a criativa colaboração de duas semanas entre o suíço Heinz Holliger e o austríaco Thomas Zehetmair.

No primeiro programa, Holliger foi o regente e Zehetmair o mais-que-humano —de tão perfeito— solista de violino. Nesta semana, de quinta a sábado (2 a 4 de junho), Zehetmair vai reger a orquestra e Holliger, aos 77 anos —uma lenda na história do instrumento—, solar o "Concerto para oboé" de Elliott Carter (1908-2012).

O repertório difícil exige uma orquestra madura e muito bem preparada, mas a Osesp parece mostrar algo mais, uma vocação ou interesse especial pela música sinfônica do século 20. E a beleza da execução pode tornar menos árida a escalada do prazer.

HEINZ HOLLIGER E THOMAS ZEHETMAIR NA OSESP


Endereço da página: