Folha de S. Paulo


Não haverá reintegração de posse das ocupações, afirma ministro da Cultura

Recém-empossado ministro da Cultura, Marcelo Calero, 33, avalia que o vaivém sobre a extinção da pasta causou um "trauma" e reconhece que pode haver dificuldade inicial no diálogo com parte da classe artística, que tem se recusado a tratar com ele e com o governo interino de Michel Temer.

Com ocupações de prédios ligados à pasta em todas capitais (segundo os próprios manifestantes), ele garante em entrevista à Folha que não haverá medida judicial pedindo a desocupação, mas que trabalhará para garantir a função pública dos órgãos.

Diante de um deficit na pasta estimado por sua gestão em R$ 1 bilhão, Calero diz que o momento é de fazer "um freio de arrumação" para, em 2017, propor novas políticas. Ele critica a proposta de uma CPI da Lei Rouanet que, para ele, é inoportuna e contribuirá para a satanização do artista.

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Folha - A classe artística se mobilizou contra o impeachment. A Frente Nacional do Teatro considerou o governo ilegítimo e se recusa a dialogar com o senhor. Há ocupações em prédios ligados ao MinC por todo o país. Como estabelecerá diálogo com a classe que o rejeita?

Marcelo Calero - Não se pode forçar nada neste momento. As paixões estão exacerbadas e estamos buscando conciliação, tentando conversar, mostrando que, independentemente de posicionamento politico, há um governo instituído, e ele precisa funcionar. Entendo que, em um momento de paixões exacerbadas, pode haver uma dificuldade inicial de diálogo, mas quem conhece nosso trabalho sabe que cheguei num lugar onde havia também ânimos exacerbados [a Secretaria de Cultura do Rio de Janeiro], e mostramos que o diálogo não pode ser um fim em si próprio, tem que ser meio para ações concretas.

Nas duas primeiras semanas, irei dialogar internamente. Eu estou na fase de escutar e dialogar com quem queira dialogar. Neste momento, estarei recolhido na pasta, porque este é meu perfil. Não posso partir para uma agenda política sem ter a casa organizada. O trabalho agora é muito interno. Houve, de fato, um trauma. Um limbo por alguns dias. Eu mesmo cheguei para uma posição e agora já estou em outra. Então, o momento é de fazer as discussões internas.

Mas, em um segundo momento, pretende chamar os artistas que fizeram manifestações contrárias ao governo interino?

Todos. A gente está em uma república e não importa o posicionamento político das pessoas. Quem trabalhou comigo sabe disso. Não interessa se o sujeito é contra ou a favor do impeachment. Se a pessoa quer trabalhar, pode trabalhar comigo. Claro que há limites, jamais trabalharia com alguém homofóbico ou nazista. Mas, dentro do razoável, o posicionamento político é muito pessoal.

Como o senhor avalia as ocupações a prédios públicos e como pretende lidar com elas?

A sociedade demanda que as ocupações respeitem a função pública dos prédios onde elas estão ocorrendo. Há ocupações, por exemplo, em que foi dado um novo sentido ao prédio público, como é o caso da Funarte [no Rio]. Havia os pilotis extremamente assépticos, eu sempre tive implicância com aquilo, e hoje em dia foi dada uma função social inclusive à ocupação. Mesmo quando ela acabar, vamos ter de permanecer ali com aquela programação, que é produtiva.

Há outras ocupações, no entanto, que há indícios de consumo de drogas, menores nas ocupações, situações de depredação do patrimônio público. As situações são muito diversas e estamos trabalhando na criação de uma estratégia de negociação com os líderes das ocupações.

Está excluída a possibilidade de ingressarem com mandado judicial para reintegração de posse?

Sim, de maneira nenhuma não será feito. O momento agora é de negociação.

E a estratégia para negociação com as lideranças está sendo delineada de que maneira?

Estamos conversando com as superintendências regionais e tratamos de estabelecer essa interlocução.

A posição inicial de Michel Temer de acabar com o Ministério da Cultura diminuiu o peso da pasta?

Não, ao contrário, acho que aumenta. O presidente interino teve a sensibilidade de entender que precisava rever sua decisão e reviu como um grande líder faz. Qualquer liderança diante de uma decisão que tenha sido equivocada, revê a decisão e reverte. Foi isso que ele fez.

Pedro Ladeira/Folhapress
Presidente interino Michel Temer na posse do novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, no Palácio do Planalto, em Brasília (DF)
O presidente interino, Michel Temer, na posse do novo ministro da Cultura, Marcelo Calero, em Brasília

O senhor veio de uma secretaria bem avaliada por fazer políticas de incentivo à diversidade, à inclusão e à descentralização da cultura. Pretende reproduzi-las nacionalmente? Qual cara quer imprimir no seu ministério?

Temos que pensar agora na segunda etapa do Cultura Viva, que tem de ser aprofundado. Tivemos dois paradigmas no Rio de Janeiro: [os programas] Territórios de Cultura e o Ações Locais, que podem ser caminhos interessantes. Podemos avançar na democratização e na territorialização dos investimentos em cultura.

A equipe ministerial foi muito criticada pela falta de diversidade. O senhor concorda com a crítica?

Não sou comentarista político e tenho de cuidar do que é meu aqui. O Ministério da Cultura já tem desafio suficiente para eu fazer comentários dessa natureza, que acho que são muito mais de ordem política do que de prática.

A causa LGBT é cara para o sr. O MinC apoia iniciativas sobre o tema, mas há representantes do movimento preocupados com o fim desses programas.

Essa é uma agenda posta e é importante. Eu, pessoalmente, considero extremamente importante. No meu discurso de posse, falava que o adensamento das condições culturais e o fato de valorizá-las contribuem para mitigar esses ódios abomináveis que são o machismo, a homofobia e a xenofobia. Certamente, não caminharei em sentido diverso desse.

O senhor fala em avançar em políticas progressistas, mas a atual configuração do Congresso Nacional é conservadora. Como aprovar as medidas pretendidas?

Nós temos muito claramente no Ministério da Cultura ações nesse sentido. E isso independe de maiorias legislativas. Depende de respaldo político, que temos de Michel Temer. Ele entende que essas políticas são importantes para o campo da cultura e de vontade do gestor. Ambos estão assegurados.

O senhor concorda com a continuidade da Lei Rouanet? O que mudaria nela?

Há distorções evidentes, mas a Lei Rouanet virou a "Geni" da vez. Não é por aí. Temos de lembrar que ela financia a Orquestra Sinfônica Brasileira, o MAR, no Rio de Janeiro, e uma série de projetos. Não adianta dizer que é tudo uma porcaria, que tem de ser substituída. Isso não existe. É um mecanismo que, aos trancos e barrancos, tem sustentado a cultural nacional. Quando há críticas, e elas são muito bem-vindas, é porque a população identifica nesse investimento acontecimentos que são, por si só, muito efêmeros. A Lei Rouanet não pode ser satanizada.

A PARTE QUE TE CABE - Despesas do governo com cultura e estrutura do MinC

Foi protocolado pedido de abertura de CPI da Lei Rouanet. O senhor é favorável?

Não considero que seja oportuno. Visitarei os deputados federais e o presidente da Câmara dos Deputados. Estamos fazendo um compromisso de dar maior transparência à lei, mas, com a CPI em curso, a pasta ficará em função de responder às demandas. E vai contribuir para a satanização e criminalização do artista. As empresas ficarão também preocupadas de estarem envolvidas. A CPI é válida, mas o momento é inoportuno. Temo o impacto econômico que isso possa ter já num cenário de profundo caos econômico.

Qual é a situação financeira da pasta?

Há uma desorganização muito grande. A situação é muito ruim em termos de gestão. Estamos elaborando uma política de cultura, mas o que mais precisamos neste momento é foco na gestão. Não estou fazendo juízo de valor sobre a gestão anterior, mas de fato há uma desorganização financeira. Temos que quitar dívidas e temos um panorama em que o ministério só sobreviveria regularmente até setembro. Depois teríamos de fechar museus e deixar de atender serviços básicos. A situação é muito ruim, inclusive na área finalística.

Qual é o rombo?

O déficit total é de R$1,34 bilhão. É o rombo que nos foi legado pela gestão Dilma Rousseff. Hoje nosso limite de empenho está na faixa de R$ 430 milhões. O aporte de R$ 230 milhões do governo interino permite que paguemos restos a pagar finalísticos e de manutenção que estavam mais urgentes. Será possível pagar prêmios atrasados.

A partir de quando artistas e produtores podem esperar pagamento?

Vou conversar com o [Ministro da Fazenda] Henrique Meirelles. Não quero dar expectativas concretas.

Neste semestre?

O repasse será em quatro parcelas e a primeira sairá até o final deste semestre.

É possível fazer algo neste ano?

Há coisas que podem ser feitas sem dinheiro, como marcos regulatórios, por exemplo. É claro que, até o final do ano, nosso objetivo é uma grande reorganização. Seria leviano já apontar novos programas, com novos gastos, para este ano. O momento é de fazer um planejamento para o ano que vem. É um freio de arrumação. Temos que deixar claro que não é culpa do [ex-ministro da Cultura] Juca Ferreira. Não havia, por parte do governo Dilma Rousseff, uma priorização da cultura.

Os servidores da pasta têm uma série de demandas históricas, como equiparação salarial com outras pastas e reposição de cargos. Eles se reuniram no Rio de Janeiro e cogitam uma greve. Como pretende lidar com isso?

As demandas precisam ser analisadas de maneira muito realista diante do quadro econômico que temos. Sei que há uma demanda forte para finalmente termos um plano de carreira e quero ver isso também. Como primeira medida, quero preencher a maior parte dos cargos de confiança com servidores de carreira. É o primeiro sinal de valorização que demonstramos.

Foi criada uma secretaria especial para o Iphan. Ele deixou de ser autarquia?

O Iphan está preservado. Conversei com o ministro Eliseu Padilha e nada será feito neste momento. A Casa Civil entendeu que seria interessante a gente ter uma estrutura posta caso a gente quisesse avançar. Entendeu-se que seria o caso de criar uma estrutura caso no futuro partíssemos para o modelo anterior. Eu tive o compromisso da presidente Jurema Machado de permanecer mais um tempo. Por questões pessoais, ela acha que é o momento de deixar o Iphan, mas me garantiu que pelas próximas quatro semanas estará no cargo.

Pretende trazer do Rio de Janeiro outras iniciativas?

No Rio de Janeiro, a gente tem uma programação grande com programas de fomento. É uma demanda da população e da classe artística ter um olhar especial para investimentos nas instituições culturais. Os projetos e os espetáculos são importantes e continuarão recebendo nosso olhar. O ex-ministro Juca Ferreira já apontava no sentido do fortalecimento da Funarte, que é importante, mas temos de ter um arcabouço mínimo de instituições que componham esse acervo mínimo da identidade nacional.

Quando falo do fortalecimento institucional da pasta, falo disso. Em Brasília, há um Museu Nacional que não funciona adequadamente. A Biblioteca Nacional está vazia. A nacionalidade se compõe das grandes instituições. Em qualquer país importante há grandes companhias que servem de paradigma para outras menores. Podemos fazer uma política em que investimentos públicos em cultura, que são absolutamente essenciais em qualquer lugar do mundo, deixem marcas mais perenes.

O senhor é conhecido no cenário carioca, mas não tanto no cenário nacional. Como o senhor pretende compensar esse fator? Pretende trazer pessoas de outros Estados ou de presenças nacionais para as secretarias da pasta?

Sem dúvida nenhuma. Não preciso ser conhecido neste momento, quero ser conhecido ao final do meu trabalho e, mais do que conhecido, quero ser reconhecido como uma gestão competente, eficiente, republicana e transparente. Isso já me basta e não quero mais fama. Mas o balanço regional das funções do ministério é importantíssimo. E temos uma preocupação, porque acho que meus executivos precisam refletir a diversidade cultural brasileira.

O senhor falou na posse sobre a necessidade de marco tributário e trabalhista para a área. Que medidas pretende adotar?

A classe artística se ressente muito pelo fato de que não há um marco regulatório próprio, por exemplo, nas relações trabalhistas estabelecidas na cultura, ou mesmo para as contratações públicas ou para questão de tributação. Há uma série de situações em que a legislação vigente não é adequada. E aí acaba-se fazendo uma gambiarra para que determinada situação se adeque à legislação posta e isso nem sempre fica bom. Então, é uma coisa que tenho como missão. Ela não demanda dinheiro, mas vontade política e capacidade de trabalho.

Como o senhor pretende lidar com o diretor da Ancine, Manoel Rangel, que assinou uma declaração contra o impeachment?

O diretor da Ancine tem seu mandato preservado. É uma agência reguladora e é uma pessoa que faz um trabalho reconhecido. Não tive relação direta com ele, porque no Rio de Janeiro temos a RioFilme, mas ele sempre foi muito republicano ao lidar com a gente. Vamos lidar de maneira republicana.

Os aliados da presidente afastada Dilma Rousseff acusam Michel Temer de fazer retaliações.

Não é do meu feitio e jamais faria uma coisa dessas. Não entendo que o governo Michel Temer tenha feito retaliações. Eu, em particular, jamais me prestaria a um papel desses.

Raio-x

MARCELO CALERO

NASCIMENTO
7.jul.1982 (33 anos)

FORMAÇÃO
- Direito pela Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro)
- Diplomacia pelo Instituto Rio Branco

CARREIRA
Antes de assumir o MinC, Calero era, desde janeiro de 2015, secretário municipal de Cultura do Rio. Ele também trabalhou no Departamento de Energia do Palácio do Itamaraty, na Embaixada do Brasil no México e foi assessor da Comissão de Valores Mobiliários (CVM)


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