Folha de S. Paulo


crítica

'Ponto Zero' ecoa mão segura de diretor estreante em longas

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Nome importante do curta-metragem gaúcho dos anos 1980, José Pedro Goulart se dedicou ao cinema publicitário durante décadas e só agora dirige seu primeiro longa. Com uma história desafiadora para contar e ambicioso do ponto de vista estético, "Ponto Zero" mostra ter sido maturado lentamente por um diretor e roteirista de mão segura.

Tudo gira em torno de Ênio (Sandro Aliprandini), um menino de 14 anos. Alvo de agressões físicas e de zombaria na escola, ele também é asfixiado pelo pesado ambiente familiar, com a crise do casamento dos pais.

A mãe (Patrícia Selonk) vive aflita diante das atitudes do marido (Eucir de Souza), um radialista que trabalha até tarde e depois cai nos braços das amantes. Frágil e instável, ela manda Ênio vigiar o pai e à noite pede ao menino que desempenhe um papel que não lhe cabe: ocupar o lugar do marido na cama do casal para mitigar sua solidão.

Franzino, de pouquíssimas palavras, Ênio leva uma vida claustrofóbica. O cabelo comprido que lhe esconde o rosto funciona como uma carapaça que o "protege" do mundo, do olhar dos outros. Nesse contexto sombrio dominado pela solidão brota o desejo sexual.

Numa noite de chuva intensa, Ênio dá o salto no escuro e vai atrás desse desejo, que também é uma válvula de escape para a angústia que sente. Essa noite de aventura, que ocupa boa parte da hora e meia de duração do filme, é o ponto zero do título, ponto de inflexão na vida do adolescente, uma busca de si mesmo e de amadurecimento.

A experiência é sofrida, pontuada por momentos dramáticos. Um acidente acontece e Ênio não encontra amparo nas pessoas que cruza pelas ruas. A chuva constante reitera o choro do personagem, que entra em desespero.

Divulgação
Sandro Aliprandini em cena do filme 'Ponto Zero', de José Pedro Goulart
Sandro Aliprandini em cena do filme 'Ponto Zero', de José Pedro Goulart

Essa jornada é um rito de iniciação, Ênio sai dela transformado: não chega a um porto seguro, mas percebe –o que é mostrado sutilmente pelas imagens na repetição da cena da piscina– que ele têm fôlego para crescer e encaminhar bem sua vida.

Entre os atores, Sandro Aliprandini (que estreia no cinema vindo do grupo teatral do seu colégio) se destaca na composição de um personagem atormentado que quase não fala e por isso exige recursos ricos e variados para expressar suas emoções.

O outro destaque é o apuro visual, essencial para a intensidade do que é narrado num filme de poucos diálogos. A desenvoltura de planos-sequência chama a atenção.

Algumas cenas brilham pelo lirismo, como a da piscina –que abre o filme e é retomada no fim, quando ganha outra conotação–, e a sequência em que Ênio atravessa a casa, a cidade e sua escola com de bicicleta, invisível aos outros. A força desses momentos compensa outras invenções formais de leitura óbvia, como as cenas em que os carros andam de trás para frente.

PONTO ZERO
DIREÇÃO: José Pedro Goulart
ELENCO: Sandro Aliprandini, Eucir de Souza e Patrícia Selonk
PRODUÇÃO: Brasil, 2015, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (26)


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