Folha de S. Paulo


'I, Daniel Blake' desbanca brasileiro e ganha a Palma de Ouro em Cannes

O filme "I, Daniel Blake", de Ken Loach, levou a Palma de Ouro, prêmio principal do Festival de Cannes, maior mostra de cinema do mundo.

O filme brasileiro "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho, que estreou sob aclamação da crítica internacional e um ruidoso ato anti-impeachment, saiu sem nenhum prêmio do júri. "Prêmios não são matemáticos, por mais que a imprensa, a crítica e cinéfilos defendam seus filmes amados", disse o diretor, em seu perfil pessoal no Facebook.

"I, Daniel Blake", um retrato crítico sobre o sistema de bem-estar social inglês, conta a história de um carpinteiro de meia-idade agruras para conseguir o benefício por invalidez após uma parada cardíaca o impedir de trabalhar.

Enquanto Blake vaga pelos meandros kafkianos da burocracia inglesa, ele se depara com uma mãe solteira (Haley Squires), "expulsa" de Londres pela gentrificação -dois marginais do capitalismo britânico bem ao estilo de Loach.

Esta é a segunda vez que Loach, de 79 anos, vence a Palma de Ouro: ele já ganhou o prêmio por "Ventos da Liberdade" (2006). "Outro mundo é possível e necessário", disse Loach ao receber o prêmio, que aproveitou para criticar o neoliberalismo.

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Ao fundo, Hayley Squires como uma mãe solteira e Dave Johns na pele de Daniel Blake no filme 'I, Daniel Blake', premiado com a Palma de Ouro em Cannes
Ao fundo, Hayley Squires e Dave Johns em 'I, Daniel Blake', premiado com a Palma de Ouro em Cannes

VAIAS E POLÊMICA

A cerimônia ocorreu na noite deste domingo (22), na cidade da costa sul da França, numa das premiações mais polêmicas da história do festival: embora "I, Daniel Blake" tenha sido bastante elogiado -ainda que não fosse o mais cotado para a categoria-, as outras decisões foram marcadas pela controvérsia.

Dois dos três diretores mais malhados pela crítica nesta edição —Xavier Dolan, por "Juste la Fin du Monde", e Olivier Assayas, por "Personal Shopper"— foram premiados. Outros filmes elogiados pelos jornalistas, como "Toni Erdmann", "Paterson" e "Elle", saíram de mãos abanando.

O prêmio de direção foi dividido: entre o romeno Cristian Mungiu e o francês Assayas, cujo filme de fantasma foi um dos mais vaiados na sessão de imprensa. A obra de Mungiu, elogiada pela imprensa, discute os dilemas morais de um pai cuja filha é vítima de um misterioso ataque.

Laurent Emmanuel/AFP
Canadian director Xavier Dolan (L) and French actress Marion Cotillard laugh on May 19, 2016 as they arrive for a press conference for the film
O diretor Xavier Dolan com a atriz Marion Cottilard em Cannes

Já Dolan levou o grande prêmio do júri, o segundo mais importante, por seu "Juste la Fin du Monde", obra sobre um homem (Gaspard Ulliel) que retorna à casa da família para informar os parentes que está morrendo. O filme foi tido como o pior da carreira de Dolan, 27.

O cineasta George Miller ("Mad Max"), presidente do júri, comentou as decisões polêmicas: "Esses são os resultados. Evitamos ver o que os outros diziam sobre os filmes". Segundo Miller, por uma regra do festival, o júri não pode se pronunciar sobre os filmes que perderam.

Compuseram o júri, além de Miller, as atrizes Vanessa Paradis, Kirsten Dunst e Valeria Golino, os diretores László Nemes (vencedor do Oscar por "O Filho de Saul") e Arnaud Desplechin, a produtora iraniana Katayoon Shahabi, além dos atores Mads Mikkelsen e Donald Sutherland.

Os jurados foram recebidos com vaias na sala da conferência de imprensa. Nemes, que levou o grande prêmio especial no ano passado por "O Filho de Saul", teve de comentar por que deu esse mesmo troféu ao controverso filme de Dolan.

"Achei que tinha um olhar cinematográfico nele. Gostamos muito do filme", disse o diretor húngaro.

OUTROS PRÊMIOS

A filipina Jaclyn Jose (de "Ma' Rosa", de Brillante Mendoza) levou o prêmio de melhor atriz, tirando a estatueta de Sonia Braga ("Aquarius") e Isabelle Huppert ("Elle"), as mais cotadas na categoria. No filme, Jaclyn vive a matriarca de uma família que tem de lidar com a polícia corrupta de Manila para sair da cadeia.

"American Honey", road movie independente da inglesa Andrea Arnold, levou o prêmio do júri. O longa, que tem Shia Labeouf no elenco, trata de uma garota (Sasha Lane) que cai na estrada com um grupo de jovens que vendem assinaturas de revista pelo interior pobre dos Estados Unidos.

O prêmio de melhor ator foi para Shahab Hosseini, que interpreta um marido que deseja vingar o ataque sofrido por sua mulher no iraniano "Forushande", de Asghar Farhadi. Ele já havia levado o prêmio de melhor ator por "A Separação" (2011) no Festival de Berlim. "Forushande" também levou o prêmio de melhor roteiro.

No total foram 21 os filmes que competiram nesta edição, marcada pela recepção negativa da crítica a diretores bem cotados (Xavier Dolan, por "Juste la Fin du Monde"; Sean Penn, por "The Last Face"; e Olivier Assayas, por "Personal Shopper").

O prêmio Câmera de Ouro, dedicado a filmes de diretores estreantes, foi para o francês "Divines", de Uda Benyamina, exibido fora da competição, na mostra Quinzena dos Realizadores. O longa aborda a entrada no mundo do crime de uma garota francesa.

A Palma de Ouro honorária foi para o ator francês Jean-Pierre Léaud, figura central na nouvelle vague e protagonista de filmes de François Truffaut. O ator de 72 anos, ovacionado e aplaudido de pé, começou no cinema ainda adolescente como Antoine Doinel em "Os Incompreendidos" (1959). Também é protagonista de "La Mort de Louis XIV", filme do espanhol Albert Serra exibido nesta edição do festival.

BRASILEIROS PREMIADOS

O Brasil perdeu a Palma de Ouro na categoria de curta-metragem, na qual concorria por "A Moça que Dançou com o Diabo", de João Paulo Miranda, mas levou a menção honrosa. O filme, sobre uma mulher que vive entre parentes religiosas, custou R$ 500 financiados por uma rifa.

A Palma de curta foi para "Timecode", do catalão Juanjo Gimenez.

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Cena do documentário "Cinema Novo", de Eryk Rocha

Outro brasileiro premiado da edição foi Eryk Rocha, que levou o Olho de Ouro, prêmio dedicado aos documentários da programação oficial, por seu "Cinema Novo", obra que remonta a trajetória do movimento cinematográfico nacional.

Assim como Kleber Medonça Filho e Eryk Rocha fizeram na estreia de seus respectivos filmes, Miranda chamou a atenção para a crise política no país.

"Estamos vivendo um momento perigoso no Brasil", disse ele na coletiva de imprensa após a cerimônia de premiação. "Existe uma sociedade conservadora que está voltando ao poder."

A última vez que um longa do Brasil levou a Palma de Ouro foi em 1962, com "O Pagador de Promessas", de Anselmo Duarte. O país também foi premiado pelo júri do festival outras três vezes: direção (Glauber Rocha por "O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro", 1969) e atriz (Sandra Corveloni por "Linha de Passe" em 2008, e Fernanda Torres, por "Eu Sei que Vou te Amar" em 1986).

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes


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