Folha de S. Paulo


Kleber Mendonça diz que vive numa democracia e não teme retaliação

O filme brasileiro "Aquarius", de Kleber Mendonça Filho, estreou na competição do Festival de Cannes sob um ruidoso ato anti-impeachment realizado pelo diretor e pela equipe do filme, que empunharam cartazes antes da projeção do longa, na terça (17).

O ato ganhou repercussão internacional. À Folha o cineasta diz acreditar que não sofrerá retaliação quanto ao cargo público comissionado que exerce há 18 anos: o de coordenador do cinema da Fundação Joaquim Nabuco, espaço que é referência na exibição de filmes autorais na cidade do Recife.

Mendonça Filho, novo ministro da Educação, pasta que agora incorpora a Secretaria Nacional de Cultura, informou por meio de sua assessoria que está analisando o que fará com o cargo do cineasta. Elogiado pela crítica, "Aquarius" é um dos filmes mais cotados para levar a Palma de Ouro em Cannes.

*

Folha - Acha que haverá retaliação ao seu cargo à frente do cinema da Fundação Joaquim Nabuco após o protesto?
Kleber Mendonça Filho - Eu acho que não tem a menor chance de isso acontecer. A gente vive numa democracia. Essa é a minha resposta.

Pretende continuar à frente dela, mesmo não compactuando com esse governo?
A gente vive numa democracia, e eu tenho direito de expressar o que acho sobre temas políticos. O protesto em Cannes foi um gesto simbólico. O país está dividido. Aguardo com curiosidade os próximos desdobramentos, mas não estou com a consciência de quem está no Brasil.

O ministro diz que não sabe o que fazer com o seu cargo.
Me falaram da matéria, mas eu não li. E por que é que a Folha entrou em contato com o Ministério da Educação? Por que teve texto do Reinaldo Azevedo? Ele é uma fonte da Folha?

O trabalho que eu faço na fundação tem 18 anos, começou em 1998, no governo FHC, é um trabalho de formação de público que todo mundo na cidade conhece e que atrai 60 mil espectadores por ano com as salas.

São duas salas hoje, com o melhor equipamento da cidade, referência no Brasil. Faço meus filmes, que são sucessos internacionais, feitos com dinheiro público e da maneira mais honesta possível.

Queria entender se o Brasil que era quando eu viajei para cá já mudou. Ainda continuo me comportando como se estivesse numa democracia.

"Aquarius" é coproduzido pela Globo Filmes. Em 2012, você disse que ela atrofiava a diversidade da produção nacional. O que mudou?
Atrofiava de verdade. Mas aí o Cadu Rodrigues, com quem eu tive aquela discussão, saiu [do posto de diretor-executivo da produtora].

Hoje temos outra pessoa, Edson Pimentel. No ano passado, com o "Que Horas Ela Volta?" [de Anna Muylaert], acho já foi um grande exemplo da mudança. Eles estão com outros tipos de filmes.

Como ato de democracia, a Globo Filmes apanhou um filme como "Aquarius". Quando "O Som ao Redor" passou na TV Globo, acho que foi muito bom para a cultura. E acho muito bom que "Aquarius" um dia passe na Globo e que seja visto por muita gente.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes.


Endereço da página:

Links no texto: