Folha de S. Paulo


Análise

Com Marcelo Calero na Cultura, Temer tenta seduzir artistas do Rio

Reza a lenda que, em 1567, na batalha dos portugueses para expulsar os franceses —e os tupinambás, seus aliados— da Baía de Guanabara, São Sebastião foi visto de espada na mão entre as tropas lusitanas.

Marcelo Calero, novo secretário nacional de Cultura, segura uma imagem do santo padroeiro carioca em sua foto de perfil no Facebook.

É uma imagem que diz muito da relação que o diplomata desenvolveu com a cidade. Fora de Sebastionópolis, como um velho cronista chamava a capital fluminense, seu nome é desconhecido.

Calero, até há bem pouco tempo, também era desconhecido dos artistas do Rio. Apareceu para organizar a festa pelos 450 anos da cidade, comemorados em 2015. Logo depois, assumiu a cadeira de Sérgio Sá Leitão na secretaria municipal de Cultura.

Alan Marques/Folhapress
O presidente interino Michel Temer (PMDB) apresenta o novo secretário nacional de Cultura, Marcelo Calero
O presidente interino Michel Temer apresenta o novo secretário nacional de Cultura, Marcelo Calero

Passado o susto inicial, ficou muito próximo de alguns dos principais artistas, pensadores e produtores culturais do Rio. Próximo da esquerda, portanto.

De muitos deles, o secretário ficou amigo. Em seu aniversário do ano passado, na Lapa, essas figuras estavam presentes. Também não era incomum ver o diplomata no Morro da Conceição, reduto do samba, ou no Bar Madrid, boteco da Tijuca.

Não foram os olhos verdes de Calero a conquistar parte da esquerda carioca. Para tais figuras, ele implementou políticas que não se restringiam ao cinturão rico da cidade, o que sempre agradou.

Para ficar em um exemplo, um edital de 2015 selecionou 610 projetos fora da zona sul da cidade. Iniciativas pequenas, feitas na raça, que em geral passam longe do radar dos incentivos públicos. Eram rodas de samba, cineclubes —e até um borboletário.

Calero construiu uma relação com lideranças culturais da periferia. Quem perguntar o que alguns produtores acham do diplomata, vai ouvir a palavra "diálogo" com frequência. Resquício da carreira dele no Itamaraty.

Por isso, sua indicação para compor o governo interino de Michel Temer cria um ar de constrangimento em sua cidade. Muitos artistas são contra o impeachment, mas gostam do secretário —embora não sejam mais capazes de admitir isso em público.

Perplexos, poucos na capital carioca se manifestaram nesta quarta (18) sobre a notícia. A reação é a que se tem quando um amigo comete uma falta grave.

Marcelo Calero é uma tentativa de seduzir os artistas do Rio de Janeiro, núcleo principal dos protestos contra o fim do Ministério da Cultura. Com seu nome, Temer aposta em alguém que, sem ser um esquerdista notório, foi capaz de conquistar a esquerda.

Mas é só questão de tempo. O governo está errado se acha que a escolha do diplomata pode desmobilizar os protestos na cidade. Os artistas são contra o fim do Ministério da Cultura, acham o governo ilegítimo. O mais provável é que o nome de Marcelo Calero entre em declínio entre eles, como alguém que traiu sua confiança.


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