Folha de S. Paulo


análise

Cauby era nosso Michael Jackson, parecia viver num mundo à parte

Entrevistar Cauby Peixoto nos últimos anos de vida era uma experiência entre divertida e constrangedora. O repórter perguntava uma coisa, ele respondia outra. Ou nem isso.

Os problemas de audição podiam ser o motivo principal. Mas Cauby parece ter sempre vivido num mundo à parte, quase infantil. O nosso Michael Jackson.

No auge da carreira, anos 1950, teve sua imagem e seu repertório construídos pelo empresário Di Veras. Aparecia na imprensa como um suposto arrasador de corações femininos. Não podendo exercer o papel com total autenticidade, amparava-se em seus recursos teatrais.

"Sou um personagem, uma mulher no palco. (...) Acho que sempre fui assim, porque quando estou cantando não sei mais de mim", disse ele ao biógrafo Rodrigo Faour. "Meu lado feminino contribui para me manter sempre jovem."

Nasceu para cantar e brilhar. Se amou muito, se ia à feira comprar verduras, se tinha amigos com quem conversar, pouco se sabe. Sabe-se de sua voz —em queda com o tempo, mas nunca frágil— e de sua figura com traços e roupas quase implausíveis, como fruto da imaginação de uma criança.

"Não quero envelhecer. Se for preciso, faço 300, 400 plásticas", afirmou numa entrevista.

Cronologia - Cauby Peixoto

É incrível como "Bastidores" lhe cai à perfeição, embora não tenha sido feita por Chico Buarque para ele. "Com muitos brilhos me vesti/ Depois me pintei, me pintei/ Me pintei, me pintei."

E é curioso, quase paradoxal, que o último dos vozeirões masculinos da era de ouro do rádio brasileiro a se apagar seja o de alguém que sempre quis se manter jovem. Com a morte de Cauby, encerra-se uma era.

Por necessidade financeira, mas também existencial, insistiu na carreira até se tornar cruel cantar assim. Deu canjas em shows de Zeca Pagodinho para um público que não queria ouvi-lo, passou a se apresentar sentado, submeteu-se a repertórios inferiores ao seu talento, tudo para não parar.

Não tendo nascido para fazer outra coisa que não fosse interpretar (músicas e papéis), só parou quando não havia mais como domar a natureza.

LUIZ FERNANDO VIANNA é autor de "Aldir Blanc - Resposta ao Tempo" (Casa da Palavra).


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