Folha de S. Paulo


Artistas e diretores de museus criticam fusão das pastas de Cultura e Educação

Escritores, músicos, dramaturgos e artistas visuais ouvidos pela reportagem da Folha reagiram mal à fusão dos ministérios da Educação e da Cultura no recém-formado governo de Michel Temer.

"Nós estamos todos desolados. Vamos trabalhar para tentar reverter isso", disse o músico Frejat. "É muito ruim para cultura brasileira. Essa visão de que educação e cultura andam juntas é ultrapassada. Todos que conhecem bem a parte orçamentária já falaram que a economia que será feita com a incorporação não se justifica. É trágico para todas as áreas artísticas."

Ricardo Lísias, autor de "O Céu dos Suicidas", também lamenta a decisão. "É um horror. Considero esse governo ilegítimo e para o qual a ideia de cultura deve parecer algo alienígena", diz o escritor. "A cultura é um elemento crítico, algo que esse governo demonstra que quer afastar. Acredito a arte mais complexa e sofisticada, pouco ligada ao mercado, que precisa de apoio, é a que mais vai sofrer."

Pedro Ladeira - 17.mar.2016/Folhapress
O músico Frejat em audiência pública sobre Lei dos Direitos Autorais no STF, em 2014
O músico Frejat em audiência pública sobre Lei dos Direitos Autorais no STF, em 2014

No plano institucional, diretores de museus e centros culturais, no entanto, fazem uma avaliação mais ponderada da fusão dos ministérios. "Acho que pode funcionar dos dois jeitos", diz o presidente do Masp, Heitor Martins. "Depende do mandato, da verba, das pessoas."

Ricardo Ohtake, diretor do Instituto Tomie Ohtake e ex-secretário municipal e estadual da Cultura em São Paulo criticou a decisão do ponto de vista administrativo, mas acredita que a junção das áreas pode resultar em mais verbas.

"É um atraso para o Brasil", afirma. "Na parte prática, é preciso organizar o Ministério da Educação de tal forma que o valor da Cultura seja pelo menos igual ao que está sendo hoje, mas o melhor é que aumentasse, aproveitando que o Ministério da Educação tem muito dinheiro."

Um possível problema, no entanto, é que as pautas da Cultura acabem sendo engolidas por uma pasta muito maior, medo que reflete a visão de alguns artistas visuais.

"O perigo no Brasil é a cultura ter a mesma atenção da educação e vice-versa, porque se for para continuar a mesma coisa mais compactada é trocar seis por meia dúzia", diz Cildo Meireles. "Num primeiro momento, vamos pagar para ver. Espero que ambas as áreas funcionem."

Mais radical, Ernesto Neto critica a formação do governo Temer como um todo. "Acho que o ministério do Temer representa a deformação cultural que estamos vivendo. Não representa o Brasil. Não tem o negro, o índio, a mulher e o caboclo. Um ministério assim só tivemos no governo Geisel, é um retrocesso profundo."

Ele diz ainda que a junção dos ministérios da Cultura e da Educação equivale a um "massacre cultural". "Poderiam até juntar os ministérios se houvesse um ministro excepcional", afirma. "Mas essa ação do novo presidente é uma confirmação dessa deformação cultural empurrada goela abaixo do brasileiro à base de cassetete, spray de pimenta."

Nesse ponto, a classe artística também criticou o afastamento de Dilma Rousseff de modo geral. "Fiquei apreensivo com o que vai acontecer daqui para a frente", diz o escritor Zuenir Ventura.

"É importante que a gente perceba que foi a esquerda quem convidou os vampiros para entrar em casa", diz o dramaturgo Felipe Hirsch. "O PT está colhendo o fruto de erros."


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