Folha de S. Paulo


Nova trama de realismo social de Ken Loach é elogiada no Festival de Cannes

Ousadia nem sempre será bem recebida no Festival de Cannes. Essa é a lição que fica do segundo dia de competição da mostra de cinema francesa: o diretor francês Bruno Dumont se arriscou com a comédia rasgada "Ma Loute", e o resultado não foi positivo; já o inglês Ken Loach enveredou-se mais uma vez pelo realismo social com "I, Daniel Blake" e teve nele um de seus filmes mais elogiados da longa carreira.

Em seu novo longa, o engajado Loach ("Kes" e "Ventos da Liberdade") dispara contra as distorções do sistema de assistência social britânico: o personagem-título, vivido por Dave Johns, é um carpinteiro de meia-idade que vive agruras para conseguir o benefício por invalidez após uma parada cardíaca o impedir de trabalhar.

Enquanto Blake vaga pelos meandros kafkianos da burocracia inglesa, ele se depara com uma mãe solteira (Haley Squires), "expulsa" de Londres pela gentrificação –dois marginais do capitalismo britânico bem ao estilo de Loach.

Alberto Pizzoli/AFP
(FromL) British producer Rebecca O'Brien, British screenwriter Paul Laverty, British actor Dave Johns, British actress Hayley Squires and British director Ken Loach pose on May 13, 2016 during a photocall for the film
Da esq. para dir., a produtora Rebecca O'Brien, o roteirista Paul Laverty, o ator Dave Johns, a atriz Hayley Squires e o diretor Ken Loach posam para foto durante o Festival de Cannes

Praticamente desconhecido, Johns entrega uma performance comovente que já é uma das apostas para levar o prêmio de melhor ator desta edição de Cannes, embora a cena mais tocante do longa seja protagonizada por Squires.

O universo dos desvalidos e a denúncia contra a opressão capitalista não são novidade na obra de Ken Loach, 79, frequentemente apelidado de "cineasta socialista". "Terra e Liberdade" (1995) cavoucava a história de um anarquista inglês que havia lutado contra Franco na Guerra Civil Espanhola. "Pão e Rosas" (2000) trata de duas faxineiras que lutam por seus direitos.

Mas com "I, Daniel Blake", Loach colheu uma de seus respaldos mais elogiosos.

"Insuportavelmente comovente", elogiou o jornal "The Guardian", conterrâneo do cineasta. "Quando o filme termina, sentimos que não iremos esquecê-lo", escreveu.

Já "Ma Loute" aprofunda a guinada de Dumont no mundo cômico, que ele já havia trilhado, com sucesso, na minissérie "O Pequeno Quinquin" (2014). A recepção, contudo, foi bem abaixo do morno, com palmas tímidas e críticas ressaltando o lado pastelão e as interpretações histéricas de medalhões franceses como Juliette Binoche e Fabrice Luchini.

"Percebi que com a comédia posso mostrar violência e intercalar com piruetas e o resultado ficar engraçado", disse Dumont, na entrevista coletiva após a exibição do filme.

Não ficou engraçado. Diversas das gags do longa foram recebidas em silêncio na sessão para a imprensa. Na trama, ambientada numa vila no norte da França no começo do século, dois inspetores trapalhões investigam uma onda de desaparecimentos, transitando entre grã-finos afetados e pescadores grotescos.

O jornalista GUILHERME GENESTRETI se hospeda a convite do Festival de Cannes


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