Folha de S. Paulo


Trenzinhos como a Carreta Furacão tentam barrar uso de trabalho infantil

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Munidos de potentes sistemas de som, os trenzinhos da alegria de Ribeirão Preto, a 313 km de São Paulo, rebocam vagões decorados com motes infantis que animam desde festas de aniversário a comícios políticos.

Em 2011, um vídeo da Carreta Furacão, hoje o maior expoente dos trenzinhos, virou sensação na internet. Cinco anos depois, a gravação com Fofão, Popeye, Mickey Mouse, Capitão América e Palhaço dançando contabiliza mais de 5,8 milhões de visualizações no YouTube.

Mas foi só no mês passado, quando o grupo de fantasiados se apresentou em um dos protestos a favor do impeachment da presidente Dilma Rousseff em São Paulo, que a tradição interiorana ganhou projeção nacional.

Se a Carreta Furacão diverte ao rebolar na toada de "Vem Dançar o Mestiço", a graça acaba quando as máscaras caem.

Escorados na tradição regional, os trenzinhos escondem um mercado que por décadas explorou o trabalho infantil e hoje espera regulamentação para se adequar à lei.

À frente da Trenzinhos Dominium, empresa que em 2010 adquiriu por R$ 80 mil a Carreta Furacão, o casal Fabiana e Wellington Cardoni afirma seguir a atual tendência do setor de dispensar bailarinos menores de idade.

"Tiramos o pé", explica Wellington, que diz ter afastado jovens dançarinos até atingirem a maioridade para evitar possíveis problemas com o Ministério do Trabalho.

A Constituição Federal proíbe trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos. Em Ribeirão, o ingresso de meninos no mundo dos comboios festivos acontecia a partir dos dez anos.

Os trenzinhos marcam a cultura local há mais de quatro décadas, conta Tony Leme, presidente da Associação Ribeirão é Diversão, criada em 2011 para regulamentar a atividade e que responde hoje por 47 veículos.

"Os meninos adoram essa história da roupa, de acompanhar [o comboio]", diz ele. "Eles correm atrás. Não tem como frear essas crianças."

"Agora só chamamos os meninos muito esporadicamente, quando não temos contingente [de maiores de idade]", diz Aloísio da Silva, porta-voz da Associação e dono da Trenzinhos Lautia.

Leme não concorda com a restrição de trabalho para menores de idade. "Trabalhando, [o menor] está preocupado em dançar, em ver as meninas. Não está roubando ou matando. Já ocorreu dos moleques saírem e voltarem para o crime", argumenta.

Embora os donos de trenzinhos tenham passado a se preocupar com implicações do trabalho infantil, a remuneração paga a esses dançarinos continua muito baixa.

Os donos da Dominium afirmam repassar a cada dançarino 15% do valor das apresentações –orçadas em cerca de R$ 300 em Ribeirão Preto, podem chegar a R$ 10 mil no restante do país.

O pagamento da empresa que controla a Carreta Furacão e outros quatro trenzinhos seria bem superior à média do setor, que costuma remunerar cada bailarino com valores entre R$ 5 e R$ 15 por festa. Longe do olhar vigilante de Wellington, porém, um dos funcionários disse receber R$ 10.

Policial militar afastado da corporação, segundo ele, devido a problemas ortopédicos, o empresário foi acusado por homicídio culposo em 2014.

Ele foi detido em flagrante em uma avenida na periferia de Ribeirão Preto após atropelar e matar um motociclista com o trenzinho Planeta Pancadão. Agora, responde a processo na Justiça.

Questionado sobre o suposto crime, Wellington diz desconhecer o processo. Testemunhas relataram que ele trafegava em alta velocidade, e, à época, o empresário tinha carteira de habilitação que não o permitia dirigir trenzinhos.

As pessoas que hoje interpretam Fofão, Popeye, Mickey, Capitão América e Palhaço ingressaram na Carreta Furacão no mesmo ano do acidente, quando ainda eram menores de idade.

REGULAMENTAÇÃO

Em 2013, o projeto de lei de autoria da vereadora Glaucia Berenice (PSDB), que regulamenta a atividade dos trenzinhos, foi aprovado na Câmara municipal. A prefeita Dárcy Vera (PSD) sancionou a lei em agosto de 2015.

Entre outras coisas, o decreto discorre sobre a emissão de alvarás e limita o horário das festas até as 23h. Por enquanto, ficou só no papel. A prefeitura informou que a regulamentação será publicada no "Diário Oficial" municipal nos próximos dias.


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