Folha de S. Paulo


crítica

Arquétipos e diálogos ruins tornam opaca estreia de autora

Segundo noticiou a "Ilustrada" ["O tempo está do meu lado", edição de 23/2], "A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" teve seus direitos vendidos para o exterior antes de finalmente encontrar uma editora no Brasil. O livro de estreia da carioca Martha Batalha recria, num esforço de ambientação digno de nota, o Rio de Janeiro da primeira metade do século 20.

Ao contrário do que o título sugere, Eurídice divide o protagonismo com a irmã Guida. Rodeadas por outros personagens, crescem em tempo e local que não oferecem muitas oportunidades às mulheres.

Eurídice, cujo marido acredita que "uma boa esposa não arranja projetos paralelos", espera mais da vida do que a rotina de dona de casa possibilita. Assim, faz justamente o que é desencorajada a fazer.

Zô Guimarães/Folhapress
Retrato da escritora Martha Batalha na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro
Retrato da escritora Martha Batalha na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro

Entretanto, Eurídice quase desaparece perto de Guida. Seus projetos paralelos, que poderiam ser interessantes caso fossem apresentados sob uma ótica diferente, diminuem de tamanho perto da trajetória mais movimentada da outra. O erro da autora foi, a partir de certo ponto do livro, negligenciar a vida interior de Eurídice. Tudo é visto de fora, com enorme afastamento, sem que se tenha livre acesso aos seus pensamentos.

Os personagens –as duas irmãs inclusas– não são muito mais do que arquétipos. Ora com um estilo indireto livre, ora com um narrador onisciente que às vezes se dirige ao leitor com um simulacro de ousadia, a trama avança sem surpresas.

Os diálogos são ruins. Ora emulam a fala popular de forma caricata, ora são artificiais. Classes alta, média e baixa ganham os contornos fáceis do estereótipo.

Certos termos datados, como "pito" e "safardana", são boas escolhas para marcar a época em que a história se passa. Outras são questionáveis. No que parece uma tentativa de incorporar expressões de uso corrente, um sujeito sai do banho "peladinho da silva", e uma professora é "mais doce que o doce de batata-doce", reforçando o tom pueril que atravessa toda a narrativa.

As mãos de Guida "continham unhas". Para não repetir o nome da personagem da vez, Batalha abusa do cacoete do autor iniciante de substitui-lo por "a moça". Esperamos que tudo soe melhor nas traduções.

É palpável o medo da autora de se jogar de vez no humor escancarado e na irreverência. Talvez este seja, de fato, um livro tipo exportação: uma aposta fortemente comercial, para turista (aquele que quer ter todas as suas expectativas confirmadas) ler.

A Vida Invisível de Eurídice Gusmão
Martha Batalha
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"A Vida Invisível de Eurídice Gusmão" é um romance opaco, fraco, que pretende mostrar o fundo falso da banalidade sendo, por sua vez, fortemente banal.

E da banalidade não se escapa necessariamente com floreios. Muitos dos nossos melhores romances apostaram em uma boa história narrada de forma tradicional. A banalidade, aqui, vem de uma trama inexpressiva conduzida de maneira extremamente amadora.

A VIDA INVISÍVEL DE EURÍDICE GUSMÃO
AUTORA: Martha Batalha
EDITORA: Companhia das Letras
QUANTO: R$ 39,90 (192 págs.)


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