O discurso do curador da Bienal de Arquitetura de Veneza envia mensagens encorajadoras a quem realiza obras à margem do status quo. Nada mais oportuno do que oferecer o prêmio mais significativo a Paulo Mendes da Rocha, coroando sua resistência.
Quando nasceu, em 1928, a engenharia fazia parte da família havia duas gerações. Buscando caminho próprio, entrou no Mackenzie e integrou a melhor geração da escola.
Contudo, a 100 metros dali, sua técnica encontrou discurso humanista num casarão art nouveau: após ganhar o concurso do ginásio do Clube Paulistano –obra-prima que precisa ser recuperada–, ele foi convidado a ser assistente de Vilanova Artigas, o mentor da escola paulista, corrente arquitetônica de volumes de concretos herméticos e discurso progressista.
Em sociedade com João Eduardo de Gennaro, ele realizava trabalhos importantes até ser cassado pelo governo militar. Foi impedido de lecionar e de trabalhar para o Estado e, com a sociedade desfeita, viveu tempos sombrios.
Seu discurso encontrou terreno fértil na década de 1980, quando voltou à USP. Com a morte de Artigas, assumiu a liderança da escola, formando profissionais como Angelo Bucci, o único brasileiro selecionado para a mostra principal de Veneza.
Em 1995, o MuBE ficou pronto e, graças a fotógrafos e críticos brasileiros, foi publicado nas mais importantes revistas do mundo. Os especialistas europeus, que desconheciam aquele "jovem" de quase 70 anos, ficaram embasbacados.
A Espanha foi a primeira a reconhecê-lo, com um livro e um prêmio para a Pinacoteca. A consagração universal veio com o Pritzker, mas, ao contrário de outros vencedores, que turbinaram seus escritórios, Mendes da Rocha seguiu trabalhando com discípulos, sem lobby e realizando menos do que poderia.
Recentemente, o governo português inaugurou um importante museu desenhado por ele; por aqui, a USP segue sem verba para finalizar sua obra. A boa notícia é que, em breve, o público conhecerá dois importantes trabalhos: o Sesc 24 de Maio, no centro paulistano, e o Cais das Artes, em sua Vitória natal.
Apesar de ser o arquiteto brasileiro mais influente, um leão da resistência, após o anúncio do prêmio, sua rotina não deve ter mudado.
FERNANDO SERAPIÃO é crítico de arquitetura e editor da revista "Monolito".