Folha de S. Paulo


Um olhar aprofundado sobre os botões de 'Star Wars'

Star Wars se passa em um mundo de tecnologia extremamente avançada. Mas, se você der uma boa olhada no maquinário do filme, vai se surpreender no quão analógicas as coisas são. Botões! Alavancas! Gráficos em vetor!

Sim, também temos hyperdrivers, sabres de luz, holograma da Princesa Leia e droides que conhecem seis milhões de idiomas (mais a linguagem dos vaporizadores de umidade junto de diversos protocolos diplomáticos e de etiqueta que são úteis em toda a galáxia). Em essência, porém, é um mundo em que às vezes é necessário dar pancadas num robô para fazê-lo funcionar, como um velho rádio, um lugar onde botões, painéis de controles e telas parecem tão distantes de nossa própria galáxia: táteis, lo-fi e elegantemente simples.

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De certa forma, é um reflexo de seu local e tempo. O filme Uma Nova Esperança e os outros de seu tipo se passam há muito tempo, em uma galáxia longínqua. Lá, nossos preconceitos tecnológicos não valem nada: a tecnologia não se parece em nada com a que vemos aqui e agora. Tem explosões e espadas, mas veja a ausência do Facebook, de selfies e de smartphones. Ninguém em Star Wars está inclinado e olhando para a tela, segurando com uma mão e olhando um equivalente das redes sociais.

Pode ser um recado interessante sobre como a tecnologia é desenvolvida: no universo Star Wars, assim como no nosso, certas forças poderosas modelam a direção da galáxia e determinam o que a tecnologia realiza (observe, por exemplo, como o Imperador constrói uma arma espacial gigante, do tamanho de um planeta, em oposição a, digamos, um reator de fusão ou coisa do tipo), e qual sua aparência.

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A aparência de botões, painéis de controle e luzes —catalogados em uma série de recortes de Dino Ignacio e em um tumblr, entre outros— também é um reflexo do momento do filme. Para essa tarefa de construção de um mundo novo, a equipe esteve limitada a um orçamento relativamente apertado. Ainda assim, o longa-metragem presentou um avanço para a aparência dos filmes e da história dos efeitos especiais.

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Nenhum desses efeitos, com uma única exceção (falaremos sobre isso a seguir), foi digital. Em vez disso, Lucas e sua equipe —incluindo o mestre dos efeitos especiais John Dykstra e o visionário espacial Ralph McQuarrie exploraram e expandiram as possibilidades do analógico, com miniaturas detalhadas, pinturas realistas e técnicas de fotografia originais. Para acertar a voz do Chewbacca, eles gravaram o som de ursos e morsas.

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Naquela época, o conceito dos computadores e das máquinas era diferente. Em 1977, a computação gráfica era bastante primitiva, o domínio das máquinas militares e universitárias era da IBM. A mesma empresa também definia os padrões estéticos das máquinas, desde o aspecto retrô do Selectric, os computadores gigantes e cheios de painéis iluminados dos primeiros Star Treks e aos computadores insípidos dos anos 1980. A CGI ainda era rudimentar, tendo aparecido no ano anterior no filme Futureworld, e o Apple II, mais acessível aos consumidores, ainda levaria dois anos para surgir.

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Mas a simplicidade também fazia parte do design. George Lucas "não queria que nada se sobressaísse", como Roger Christian, o lendário designer de sets, contou à Esquire em 2014. "Ele queria que tudo fosse real e utilizável. E eu disse, 'finalmente, alguém está fazendo do jeito certo'. Toda a ficção científica que veio antes era composta de plástico, uniformes estúpidos e coisas tipo Flash Gordon. Não havia nada novo. George ia contra isso. Em minha primeira conversa com ele eu disse que as naves deveriam ser coisas que víssemos em garagens, com vazamentos de óleo e necessidade de reparos constantes para fazê-las funcionar, porque o mundo é assim. Tivemos essa conversa e eu fui contratado."

(Christian foi a terceira contratação de Lucas, e ele acabou construindo muitas das naves de pedaços de metal de aeronaves.)

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A aparência modesta e por vezes tosca das coisas em Uma Nova Esperança e dos dois filmes seguintes não foi resultado de negligência, mas um projeto pensado. O diretor de arte Norman Reynolds estava finalizando as mãos do C3PO na noite anterior do primeiro dia de filmagem na Tunísia. "Nós tínhamos a parte da luva, e pedaços de metal para os dedos, mas precisávamos mostrar autenticidade", ele contou recentemente à BBC. "Acrescentar aqueles pedacinhos de metal presos ao figurino deram certo. Por fim, tudo se resolveu, mas foi no último minuto."

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Star Wars se passa em um mundo de tecnologia extremamente avançada. Mas, se você der uma boa olhada no maquinário do filme, vai se surpreender no quão analógicas as coisas são. Botões! Alavancas! Gráficos em vetor!
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A sequência de imagens geradas por computador no filme —os gráficos vetoriais projetados para o famoso ataque à Estrela da Morte pelo animador Larry Cuba— foi feito sob medida em um sistema que incluía botões e mostradores para apresentar o modelo da Estrela da Morte.

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Agora, uma informação interessante: se o painel de controle da Estrela da Morte parece muito como uma mesa de cortes de vídeo, é porque é mesmo.

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Outro detalhe impressionante: depois que Lucas contratou Cuba, o animador visitou o JPL (Jet Propulsion Laboratory) da NASA para ver as telas utilizadas no controle de missão. "Quando ele me contou o motivo" —para a cena da batalha aérea de A Nova Esperança— "e descreveu os pilotos atirando nos alvos manualmente, eu disse que já que os atiradores atuais são automáticos, e não manejados pelos pilotos, por causa da velocidade, então os futuristas definitivamente também seriam", disse Michael Plesset, antigo gerente da Space Flight Operations Facility.

"[Cuba] disse, 'Bom, não é ficção científica de classe'. E eu disse, 'Então eles vão se pendurar para fora da janela e atirar uns nos outros?' e rimos disso".

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Apesar dos enormes orçamentos da Disney, o último Star Wars pegou emprestada a aparência analógica dos filmes originais: diferentemente das luzes e botões extravagantes das prequels do início dos anos 2000, as linhas, paletas de cores e tipografia de O Despertar da Força evocam o sentimento realista e disperso de Uma Nova Esperança.

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A combinação de um design discreto com atenção aos detalhes não funciona somente para evocar um universo ficcional e aguçar nossa imaginação: ela oferece lições para nossa própria galáxia, neste instante. Produtores de ficção científica evocam seus mundos tão bem com foco nos personagens, não na tecnologia, como observa o designer de animação de interface do usuário Kit Oliynyk. Além disso, "eles criam um universo ficcional seguindo as leis da física com as quais estamos acostumados, fazendo as descrições com precisão física e atenção aos detalhes materiais".

Assim como uma boa interface e experiência de usuário, Oliynyk escreve, "eles deixam o mundo agradável e memorável ao acrescentar um 'ingrediente secreto' —a atração mágica que mantém tudo junto".

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Para mim, um dos maiores ingredientes mágicos nas luzes e botões de Star Wars é a ausência de texto. Tem um pouco de texto numa tela, em Inglês, quando Obi-Wan derruba o campo de força da Estrela da Morte. (Na versão atualizada da trilogia original, Lucas substituiu o texto da cena com os dizeres no idioma Aurebesh. Em "The Star Wars Despecialized Edition, um grupo de fãs dedicados removeu esse texto, e outras alterações de Lucas, devolvendo o filme ao seu esplendor original com suas pequenas "falhas".)

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Por outro lado, a maior parte sem texto, deixando muito para nossa imaginação. "Acho que isso é o que mais gosto na trilogia original", afirmou meu colega Brian Anderson, que escreveu uma ode à cena do Obi-Wan e, especificamente, sobre o momento de interface de usuário bastante "satisfatória". "Você recebe elementos da história e detalhes suficientes para lidar com isso. Nunca é opressivo."

Seria a ausência de texto uma insinuação de que o design da galáxia de Star Wars é tão intuitivo a ponto de não precisar de explicação? Afinal, é um mundo no qual Luke pode simplesmente sentar na torre de tiro da Millennium Falcon e deduzir como utilizar a arma, com um mostrador simples, e ter um momento incrível por lá.

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Para uma pessoa que vive em um pântano de IUs horríveis e designs de interação esquizofrênicos - um mundo que ameaça ficar ainda mais horrível conforme a internet das coisas e a publicidade onipresente continuam sua marcha pelos ambientes digitais - essa é uma boa fantasia: não um sistema sem botões (lembre-se de Minority Report, e prepare-se para as HoloLenses e Rifts...) mas sim, um sistema com botões, alavancas, luzes binárias e tudo vai fazer sentido.

Novamente, Luke tem a força para guiá-lo enquanto conquista todas as interfaces de sua galáxia. Aqui na nossa, cada vez mais virtual, sonhamos com luzes e botões de ficção científica, com tecnologia simples, funcional e confiável, de ponta e quase obsoleta, em todos os lugares e em lugar nenhum ao mesmo tempo.

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Meus agradecimentos a Dino Ignacio e ao tumblr starwarsui.tumblr.com por algumas das capturas de tela deste artigo.

Tradução: Amanda Guizzo ZampierI

Leia no site da VICE: Um olhar aprofundado sobre os botões de 'Star Wars'


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