Folha de S. Paulo


crítica

Autêntico filme alienígena não deixa olhos se desgrudarem da tela

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Uma fusão entre duas imagens concentra simbolicamente a força de "Os Inimigos da Dor", longa de estreia do uruguaio Arauco Hernández.

O jovem alemão sem nome que anda pelas ruas de Montevidéu encontra em sua mochila uma embalagem com belas flores luminosas. Dentro dessa embalagem, por cima das flores, vemos se abrir e depois ocupar toda a tela uma outra imagem que mostra esse mesmo homem atravessando uma rua.

Um simples efeito cinematográfico, existente desde os tempos de Georges Méliès, explica bem o mundo mágico que vemos se desenrolar: um mundo onde cabem a solidão, a miséria humana, a insensatez, mas também a compaixão, a poesia e a beleza.

Esse alemão, que é meio esquisito, saberemos aos poucos, é ator. Foi abandonado pela mulher e parte à procura dela pela capital uruguaia. Teve a mala extraviada, e por isso passa um frio danado. É então ajudado por um segurança que também foi deixado pela mulher, e por outros habitantes da noite.

Os problemas são agravados pelo fato de que ele não fala quase nada de espanhol, e ninguém à sua volta fala alemão. Como a trama se passa nos anos 1980, não é tão comum encontrar pessoas que falam inglês, língua universal após a globalização (ou devemos dizer americanização?) ocorrida nos anos 1990.

Divulgação
Felix Marchand, Lucio Hernández, Pedro Dalton em cena de 'Inimigos da Dor'
Felix Marchand, Lucio Hernández, Pedro Dalton em cena de 'Inimigos da Dor'

Não se pode esperar de "Os Inimigos da Dor" um desenvolvimento ordenado e facilmente compreensível. Isso porque a lógica narrativa é a de um sonho (e muitas vezes, de um mau sonho), na linha de David Lynch ou de "Depois de Horas" (1985), o belo longa de Martin Scorsese.

Formalmente, lembra mais um certo cinema alemão dos anos 80, com trilha cafona (e bacana) de música progressiva eletrônica e efeitos e enquadramentos maneiristas.

Eis um autêntico filme alienígena, com evidentes problemas, mas com estranheza o suficiente para que não desgrudemos o olho da tela.

É uma coprodução brasileira, mas não há praticamente nada nele que provoque alguma identificação com o público brasileiro. E isso, afinal, pouco importa.

OS INIMIGOS DA DOR
(Los Enemigos del Dolor)
DIREÇÃO: Arauco Hernández
ELENCO: Felix Marchand, Lucio Hernández e Pedro Dalton
PRODUÇÃO: Uruguai/Brasil, 2014, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (5)


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