Folha de S. Paulo


crítica

Irmãos Taviani vão a Boccaccio para relembrar que viver é errar

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O "Decameron", conjunto de cem pequenas histórias reunidas por Giovanni Boccaccio no século 14, é uma mola-mestre de boa parte do que chamamos de "cinema italiano", por seu espírito farsesco, pela crônica de costumes e por inspirar a mistura certeira de sublime e grotesco.

"Maravilhoso Boccaccio", novo filme dos irmãos Paolo, 84, e Vittorio Taviani, 86, retoma esse imaginário que já foi adaptado literalmente por cineastas do porte de Pasolini (em "Decameron", de 1971) e que também se encontra disseminado na tradição cômica que ajudou a popularizar e globalizar os filmes italianos.

Não se trata de releitura, como o surpreendente "César Deve Morrer", de 2012, em que os Taviani filmaram o "Júlio César" de Shakespeare com presidiários. O novo longa permite-se retomar um material culturalmente admirável para conferir não sua atualidade, mas sua eternidade.

O filme segue a estrutura narrativa adotada por Boccaccio. Um grupo de jovens foge da epidemia de peste negra em Florença e se reúne no campo. Ali, constituem uma comunidade, e cada um narra pequenas histórias, contos morais sobre amor e morte.

Divulgação
Cena do filme 'Maravilhoso Boccaccio', de Paolo e Vittorio Taviani
Cena do filme 'Maravilhoso Boccaccio', de Paolo e Vittorio Taviani

Os Taviani não se limitam a encenar instantes desse encontro ou a transformar os relatos em belas imagens. O interesse deles é expor a aparente contradição entre juventude e morte que aparece na situação dos narradores e na maioria dos relatos escolhidos.

A impactante primeira cena mostra um rapaz com chagas pelo corpo, atônito, e sua queda do alto do Duomo de Florença. Uma sucessão de mortos, jovens e crianças, consolida a ideia de vida interrompida que os octogenários Taviani observam com espanto.

No lugar da leitura lúbrica de Boccaccio oferecida por Pasolini, os Taviani expandem os questionamentos morais de suas histórias. Um homem que abandona sua mulher doente pode reivindicar algum direito? Até que ponto ceder ao desejo carnal é contraditório com a fé? Matar em nome do amor tem algum sentido além do egoísmo?

Cada caso propõe uma espécie comum de dúvida e nenhum se soluciona com uma escolha definitiva. Próximos do fim, os irmãos Taviani lembram que viver é em mais de um sentido errar. E para isso é preciso ter tempo.

MARAVILHOSO BOCCACCIO
(Maraviglioso Boccaccio)
DIREÇÃO: Paolo e Vittorio Taviani
ELENCO: Lello Arena, Paola Cortellesi
PRODUÇÃO: Itália, 2015, 14 anos
QUANDO: estreia nesta quinta (5)


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