Folha de S. Paulo


Mostra com Gauguin revela excessos cromáticos do pós-impressionismo

Duas moças estão sentadas à beira da praia. A areia é uma grande massa bege, as ondas ao fundo são grossas linhas de um verde-escuro só quebrado pelo branco da crista das ondas, e as roupas delas formam dois volumes de cores vivíssimas, um vermelho e outro rosa.

Quando pintou essas suas "Mulheres do Taiti", em 1891, Paul Gauguin quis romper com a natureza fugidia das cores nas telas dos impressionistas.

Enquanto Renoir e Monet imitavam na superfície do quadro só o rastro deixado na retina pelo turbilhão de formas em movimento da Paris moderna, os artistas que despontaram na sequência daquela vanguarda se esforçaram para firmar, no lugar dos vultos, a potência da cor como uma nova chave de representação da realidade.

Não era qualquer cor. Juntas agora numa grande mostra no Centro Cultural Banco do Brasil paulistano, telas de Gauguin, Van Gogh, Cézanne, Georges Seurat e Paul Signac, mestres do chamado pós-impressionismo, dissecam o papel de cada tom na construção de uma imagem.

Essas 75 obras do Museu d'Orsay, de Paris, todas criadas na virada do século 19 para o 20, vêm agora ao país numa espécie de continuação da exposição sobre o impressionismo realizada no mesmo espaço há quatro anos, seguindo a ordem cronológica da evolução dessas escolas na história da arte.

No fundo, elas representam a inversão de um caminho. Ao contrário dos impressionistas, que trabalhavam de fora para dentro, tentando recriar a sensação de estar diante de uma paisagem ou do baile de um cabaré, seus sucessores partiam de uma psicologia da cor para lançar sobre o mundo suas sensações mais íntimas.

"Eles não criavam um espelho que refletia as coisas como elas são", diz Isabelle Cahn, curadora do Museu d'Orsay e uma das organizadoras da mostra. "A ideia era traduzir a realidade partindo de uma concepção radical baseada na cor. Os impressionistas trabalham em torno do olho, e eles partem do pensamento e dos sentimentos, vão além da realidade."

QUEBRA-CABEÇA
Mas as estratégias nem sempre foram as mesmas. Enquanto um certo êxtase da cor parece ser o denominador comum do pós-impressionismo, a mostra deixa claro um racha entre a vertente mais científica, ou analítica, da vanguarda e outra mais simbolista.

Esse lado calcado em teorias sobre o efeito das cores no olhar surge nas duas primeiras salas da mostra, com obras-primas do pontilhismo, estilo teorizado por Signac, celebrizado por Seurat e que depois se espalhou pela Europa.

Nesses quadros que parecem vibrar com fulgor insólito, pequenos pontos de cor são justapostos como um quebra-cabeça milimétrico. De longe, o olho junta esses tons para dar a ilusão de outros, multiplicando a cartela de cores, daí a sensação de uma espécie de aura que se forma em torno dessas telas.

"Era sobretudo uma pintura intelectual, vemos a influência da teoria", diz Cahn. "A angústia era representar a luz nos quadros, e é a cor que liderava esse movimento."

Menos apegados à teoria, outros artistas, entre eles simbolistas como Odilon Redon e mais decorativos, como o líder do grupo Nabis, Maurice Denis, seguiam a intuição cromática de Gauguin para criar verdadeiras overdoses de cor. Suas figuras eram construídas com fortes campos chapados de um único tom, delimitados por grossos contornos negros, tal qual os vitrais de uma catedral.

De fato, muitos desses artistas tentavam atingir só pela força da cor uma experiência um tanto mística, quase religiosa. Em seus excessos cromáticos, arquitetaram um mundo em paralelo, deformado pela total infidelidade à real aparência das coisas e, talvez por esse mesmo motivo, sedutor além da conta.

O TRIUNFO DA COR
QUANDO abre nesta quarta (4), de qua. a seg., das 9h às 21h; até 7/7
ONDE Centro Cultural Banco do Brasil, r. Álvares Penteado, 112, tel. (11) 3113-3651
QUANTO grátis; aplicativo CCBB permite agendar visitas on-line, evitando filas


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