Uma nova visão sobre Tarsila do Amaral deve começar pelos clássicos. No ano que vem, a modernista brasileira terá sua primeira grande retrospectiva nos Estados Unidos, que começa em outubro no Art Institute of Chicago e viaja, em fevereiro de 2018, para o MoMA, em Nova York.
Na lista com cerca de cem obras estão os maiores marcos do trabalho de Tarsila, entre eles "Antropofagia" e "A Negra", embora nem todas as telas estejam confirmadas –os museus ainda negociam empréstimos com instituições como a Pinacoteca, o MAC e o Malba, de Buenos Aires, onde está o "Abaporu", um dos quadros mais célebres da artista, morta aos 86, em 1973.
Luis Pérez-Oramas, curador de arte latino-americana do MoMA, que esteve à frente da Bienal de São Paulo há quatro anos, e Stephanie d'Alessandro, do museu de Chicago, são os responsáveis pela mostra da artista ainda pouco conhecida nos EUA, o que justifica a seleção de suas telas "emblemáticas", em especial da fase antropofágica dos anos 1920, para a mostra.
"Será uma forma de apresentar a artista e também o nascimento e a consolidação do modernismo brasileiro", escrevem os curadores, em entrevista por e-mail. "É lógico focarmos Tarsila neste momento crucial em que os museus estão buscando novas vozes e perspectivas, expandindo aquilo que entendemos como 'arte moderna'."
No início deste ano, Pérez-Oramas e D'Alessandro estiveram em São Paulo para pesquisar sobre a pintora. Também foram à casa em que Tarsila nasceu, no interior paulista, na tentativa de entender o universo de onde saíram muitas de suas composições.
BELA E PROBLEMÁTICA
De acordo com os curadores, a artista é "um exemplo brilhante de deslocamento e transformação". "Ela encarnou uma forma simbólica de antropofagia e se tornou uma modernista 'mainstream' no Brasil usando elementos que os modernistas da Europa jamais reconheceriam."
Tarsila seria, no fundo, um caso "belo e 'problemático', que não pode ser julgado seguindo os padrões do cânone moderno". Nesse sentido, os museus americanos, que vêm exaltando artistas contemporâneos do Brasil como Lygia Clark, Hélio Oiticica e Lygia Pape, agora entram numa investigação da modernidade surgida no país, a base histórica daquilo que uma parte do público americano já conhece.
Enquanto tentam lançar Tarsila, também parece haver uma preocupação em ir além da superfície dos quadros. Pérez-Oramas e D'Alessandro chamam suas telas de "ícones do modernismo latino-americano", que, à primeira vista, poderiam causar uma sensação de déjà-vu, de tanto que já foram reproduzidas em livros.
Num olhar mais de perto, no entanto, dizem ter visto "refinamento e equilíbrio" surpreendente em suas obras.
Um diálogo entre Tarsila e artistas americanos como Georgia O'Keeffe, que, na visão dos curadores, também adaptou o cânone moderno a uma experiência particular com a paisagem americana, também pode ganhar novo fôlego nos Estados Unidos, turbinando as tentativas de redefinir a modernidade na era da globalização.
"No MoMA, venho trabalhando para trazer à tona importantes artistas do modernismo latino-americano que nunca tiveram uma exposição no museu", diz Pérez-Oramas. "O museu ignorou esses artistas, e agora é importante incluir esses nomes centrais para o desenvolvimento do modernismo em seus países."