Folha de S. Paulo


Guerra, fome e perseguição aumentam o número de imigrantes no país

Como chef e dono de restaurante, Mazen Zwawe, 24, viveu bem na capital síria, Damasco, até 2012, quando seu bairro foi bombardeado. "Não sobrou nada."

Após um ano sem emprego, e em meio à guerra civil no país, Mazen, que é sírio-palestino, se tornou refugiado pela segunda vez. Hoje sobrevive em São Paulo com uma barraquinha de comida árabe.

Sírios são a maioria dos novos refugiados no país: 2.252, segundo dados oficiais. Depois estão angolanos (1.408), colombianos (1.100), congoleses (959) e palestinos (367). Em cinco anos, o número desse tipo de imigrante mais que dobrou aqui: de 4.218 (2011), para 8.731 (março de 2016). Há 79 nacionalidades entre os refugiados reconhecidos no Brasil.

"Esse aumento é resultado de um movimento global. Vivemos uma crise sem precedentes", diz Luiz Fernando Godinho, representante no Brasil do Acnur (órgão da ONU para refugiados). O total brasileiro é pequeno no contexto mundial, de mais de 20 milhões de refugiados. "São números recordes, só vistos na Segunda Guerra Mundial."

O aumento de solicitantes de refúgio em solo brasileiro também disparou. Em 2011 foram 3.220 pedidos; no ano passado, 28.670.

"É um crescimento significativo para qualquer estrutura pública", diz Beto Vasconcelos, secretário nacional de Justiça e presidente do Comitê Nacional para os Refugiados.

Depois de vencer os desafios da chegada, como o encontro de abrigo e emprego de subsistência, o estrangeiro tem dificuldades de integração ampliadas.

Falta de informação é o principal obstáculo ao acesso a direitos e serviços, segundo 72% de refugiados, imigrantes e apátridas ouvidos pelo Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). As maiores dificuldades são: idioma (21,7%), trabalho (20,6%), acesso a serviços (16,2%), e documentação (13,9%).

É o caso de Arturo Cardenas, 46, que chegou da Colômbia em 2014. "Aqui ninguém fala: 'Você, estrangeiro, tem que fazer isso'. Me senti perdido", diz, em portunhol.

Cardenas diz ter sofrido ameaças do narcotráfico após colaborar com a polícia. "Lá, isso é uma sentença de morte."

Com um Brasil "próspero" como meta, ele e a família cruzaram Equador e Peru de carona e dormiram na rua até chegar ao Acre, onde se juntaram a haitianos e africanos.

Hoje, Cardenas aluga uma lan house, onde trabalha. "Ainda não sei se os governos ajudam refugiados. Tem um albergue, de onde saí. Mas não sei se tem algum programa."

O congolês Georges Bampale, solicitante de refúgio por perseguição política, é formado em relações públicas e marketing. Mas, no Brasil, recomeçou como carregador.

"Trabalhava com outros imigrantes, não conhecíamos as leis. Depois de três meses, precisamos ligar para um advogado para que assinassem nossas carteiras", diz ele, que criou uma ONG para ajudar imigrantes.
O sírio Tarek Ben Ziad, 29, pensou que ao chegar ao Brasil atuaria na sua especialidade, hotelaria. "Falo inglês, árabe e um pouco de português, mas não achei emprego."

Tentou empreender. "Queria abrir um food bike, ninguém sabia me dizer como. Falta um lugar para nos informar", diz Ziad.

E falta uma política que não ajude só com abrigo, mas com inserção na escola, na cultura e na língua, elenca o padre Paolo Parise, da Missão Paz, centro de acolhida ligado à Igreja Católica. "São passos fundamentais."
Essas reivindicações de integração são "naturais" para Godinho, do Acnur: "Eles sempre vão querer mais. Têm documentos, emprego, agora querem mais."

A FILA ANDA

Ele diz que a intenção do órgão da ONU é estimular a autonomia do estrangeiro após os primeiros atendimentos. "A fila anda. Não há receita pronta para lidar com a integração, depende do comprometimento de cada um."

O drama atual é o desemprego. A média mensal de contratos assinados na igreja caiu de 200, há dois anos, para 50, diz o padre. "Para mulheres, está mais difícil."

Que o diga a engenheira síria Rima Eissa, 40. Já tentou vender comida árabe na rua, agora sobrevive como personal trainer. "Procuro vaga o tempo todo", diz ela.

Para Eder Borges, 32, líder do MBL (Movimento Brasil Livre) de Curitiba, o país não tem condições de receber refugiados e imigrantes neste momento. "Temos desempregados, fábricas e comércio fechando. Primeiro, temos que resolver a situação interna."

Desempregado, Borges se envolveu no começo deste mês de abril em discussão com a senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR) durante audiência pública sobre direitos de imigrantes. "Falam que é preconceito não empregar haitiano. Não tem emprego nem para brasileiro", diz ele.

Intolerância e xenofobia podem prosperar na crise, alerta José Blanes, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC. "Mas é matematicamente injustificável frente ao minguado número que recebemos comparado ao Líbano, à Europa e ao total da população brasileira."

Além disso, refugiados não são concorrência. "Eles aceitam trabalhos mais humildes e menos remunerados que os brasileiros", diz Blanes.

Já Vasconcelos afirma que novos imigrantes ajudarão o país a voltar a crescer. "Aconteceu em vários momentos da história, acontecerá agora."

Fronteiras do Pensamento


Endereço da página:

Links no texto: