Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Pianista inglês mostra rigor e seriedade como residente da Osesp

"Ao invocar fragmentos do passado, Brahms (1833-97) forja uma dialética da percepção temporal; Brahms, em sua música, em vez de criar uma experiência temporal ou emocional estática, assumiu a memória musical de seus ouvintes reais ou ideais." A afirmação de Leon Botstein parece ganhar relevo após a passagem do pianista inglês Paul Lewis por São Paulo na última semana.

Sua estreia como Artista em Residência da Osesp foi na terça-feira (19), em recital solo no qual Brahms foi antecedido por Schubert (1797-1828) e sucedido por Liszt (1811-86); na quinta-feira (21), ele tocou Mozart (1756-91) com a orquestra.

As surpresas e redundâncias da "Sonata nº 9" de Schubert serviram para deixar para trás a dureza da cidade e o "nonsense" do país. Com o puro som -compacto, cheio, com graves brilhantes- Lewis impôs ao público uma única respiração.

Josep Molina/Harmonia Mundi
O pianista inglês Paul Lewis
O pianista inglês Paul Lewis

Arcaísmos modais, corais, melodias memoráveis e a coerência das estruturas harmônicas fazem das "Quatro Baladas, op.10", de Brahms (escritas aos 21 anos), verdadeiros ensaios sem palavras, com a peça final resgatando o mesmo si maior da sonata de Schubert.

O tempo do intervalo foi o da própria vida de Brahms, já que os "Três Intermezzos, op.117" foram compostos aos 59 anos. No fluxo dinâmico da forma, Lewis não deixa que a sedução do puro som ponha a perder o rigor: sustenta na medida exata o distanciamento do tempo da escuta.

Um toque de bom humor tomou conta da interpretação da "Fantasia quase Sonata" de Liszt, com efeitos especiais impossíveis permeando a luta obsessiva entre dois elementos musicais simples inspirados no "Inferno" de Dante.

Sua leitura de Liszt contrastou com a seriedade aplicada ao "Concerto nº 12" de Mozart, tocado dois dias depois com a Osesp regida por Marin Alsop. O Mozart de Lewis aponta para o futuro.

Antes e depois de Lewis o programa teve ainda a "Abertura" da ópera "A Flauta Mágica" (também de Mozart) e a "Sinfonia n° 7", de Prokofiev (1891-1953), obras das fases finais dos compositores.

A orquestra parece muito concentrada nesta temporada, e não apenas sob a condução de Marin Alsop, mas igualmente nos concertos regidos tanto pelo experiente Arvo Volmer como pela talentosíssima jovem assistente Valentina Peleggi.

Já há algum tempo as madeiras da Osesp merecem um crédito especial: flauta e fagote perfeitos em "A Flauta Mágica", e todos integrados e timbrados em Prokofiev.

Em outubro, Lewis volta à Sala São Paulo para solar os cinco concertos de Beethoven (1770-1827) em três dias. Depois dessa semana, o ciclo passa a ser aguardado com ainda mais expectativa.

PAUL LEWIS EM RECITAL E EM CONCERTO COM OSESP
AVALIAÇÃO: ótimo


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