Folha de S. Paulo


'Looks' que estarão na SPFW atraem cantadas e reprovação nas ruas de SP

A maior tendência desta São Paulo Fashion Week, que começou no domingo (24) e vai até sexta (29), é a de que a partir de agora as marcas da programação devem se preparar para, em 2017, lançar as roupas da passarela imediatamente nas lojas.

Guiada por essa recomendação, a "Ilustrada" propôs a mim, jornalista de moda orientado sempre a apenas escrever sobre o que vê, e à produtora de moda e colaboradora da Folha Aline Prado, mestre em tornar usável a produção mais "louca" da passarela, o desafio de provar e testar roupas dos desfiles.

Qual seria a reação do "mundo real" ao ver o que propõe parte da elite do estilo no "mundo paralelo" da Bienal do Ibirapuera, onde acontecem os desfiles?

Com misto de curiosidade e medo da humilhação, circulamos, em pleno feriado de Tiradentes, pelas ruas lotadas da região central de São Paulo, do vão livre do Masp à feira de Higienópolis, com três "looks" femininos das grifes Pat Bo, Gig Couture e Lino Villaventura, e dois masculinos, um da marca Ratier e um outro do estilista João Pimenta.

"E aí, gatinha?" foi a primeira cantada de duas que Aline recebeu nas primeiras horas do desfile a céu aberto.

O conjunto de saia de tafetá italiano com detalhes plissados e blusa bordada à mão da Pat Bo fez um homem frear a caminhonete. "Causei", disse Aline, que posou comigo para uma foto pedida por uma italiana, emocionada com os "looks" "lindos demais".

Entrei na onda da tendência neopunk militar e um tanto gótica que deve preencher a passarela desta edição da SPFW. Senti saudades dos meus jeans e da minha camisa branca predileta, mas percebi que era o peso da cultura machista o motivo do meu desconforto inicial.

Meu conjunto João Pimenta foi aprovado pelos garotos da av. Paulista. A jaqueta vermelha estampada com contornos de esqueleto, bermuda folgadona, blusa larga e um par de botas pesadas não provocaram risadas como imaginei que provocariam.

Tudo era mais confortável do que as polos e calças coladas que teimam em vestir os jovens nascidos nos anos 1980. Percebi o nível da minha caretice enrustida.

Relaxados com o sucesso do primeiro round, partimos para o segundo com a certeza de estarmos arrasando.

O longo preto de Aline, desenhado por Lino Villaventura, não foi feito para ser desfilado numa feira, mas achamos que passaríamos a impressão de ser um casal que acabou de voltar de uma festa. Não colou.

OLHAR DE REPROVAÇÃO

Num supermercado de Higienópolis, quando se abaixou para pegar um latão de cerveja, Aline recebeu olhares de reprovação das senhoras que acompanhavam os movimentos do casal. Preferimos comer pastel.

Em meio a frutas e legumes, Aline quis provar uma mexerica. Os feirantes competiram para ver quem seria o primeiro a cortar a fruta para a moça de colo descoberto e elegante com seu vestido todo bordado e cheio de pedrarias.

Um feirante, que analisou minha colega com olhar mais atento às curvas do que ao corte da roupa, quis cobrir os pés dela com um saco plástico por causa do chão molhado.

Acuados, mudamos de roupa. O vestido colorido de tricô da Gig, embora "marcasse demais o corpo", segundo Aline, "é bastante usável".

O meu Ratier, que consistia em capa de jacquard, blusa longa e bermuda preta com detalhe cinza, fez eu me sentir como um dos modernos do Baixo Augusta. A roupa é ousada para os padrões da rua e merece, além das luzes da noite, alguém mais comprometido com a causa fashion.

Não paramos o trânsito, mas voltamos ao jeans e à camiseta com a certeza de que, mais do que coragem para usar uma roupa aparentemente incomum, é preciso aceitar que, ainda bem, há gosto para tudo.


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