Os longos meses que separaram o lançamento brasileiro de "A Amiga Genial" deste "História do Novo Sobrenome" talvez tenham servido a amainar o suspense com que se encerrara o primeiro tomo da Série Napolitana.
O livro inicial começava com uma desaparição –a de Raffaella, a Lila–, motivação para que Elena, ou Lenu, sua amiga de infância, se pusesse a narrar sua vida em comum.
Este segundo tomo se abre com outra classe de mistérios, os da caixa dos cadernos secretos de Lila, confiada a Lenu com o pedido de que não a abrisse.
A amiga narradora desobedece, e a isso devemos o relato da juventude das moças, no qual a vivência particular de Lila se entremeia à percepção dos fatos dada por Lenu.
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Rua de Nápoles decorada com bandeiras italianas no dia da decisão da Copa do Mundo de 2006 |
Nessa nova trama, a questão do sobrenome, que dá título ao livro, aponta para a questão do lugar social.
Ora, quem diz "novo sobrenome" diz "casamento" –mais ainda na Itália, onde a mulher que se casa abandona simbolicamente sua origem, pois passa a assinar apenas o sobrenome do marido.
Para italianas pobres do início da década de 1960, como nossas protagonistas, esse novo sobrenome podia ser também a senha para a ascensão social.
LIMITES
É sobretudo dos limites socialmente impostos e da possibilidade de rompê-los que trata o romance.
Se o conflito de classes já era presente em "A Amiga Genial", aqui os contrastes entre ricos e pobres se tornam tão mais visíveis quanto mais os personagens ganham o mundo –ainda que o conceito de mundo, para uns, não vá além do centro de Nápoles.
Também a violência do volume anterior assume mais ímpeto, impondo-se inclusive sobre o despertar da sexualidade das jovens, outro aspecto nodal da trama.
A passagem para a vida adulta é apressada, o que só faz aumentar a confusão de uma fase que, em qualquer circunstância social, é turva.
Isso contribui a fragmentar a percepção dos fatos, e o leitor pode ressentir a falta do aspecto mais controlado de "A Amiga Genial".
A infância, mais distante no tempo, se presta melhor a ser interpretada, ou fabulada, pela narradora adulta. As falhas da memória e o fato de que as personagens, crianças, não tinham plena consciência do que viviam davam a Lenu maior liberdade para contar.
Faz diferença, principalmente, o acesso que Lenu tem às ideias escondidas de Lila.
Entre diz-que-diz e ambiguidades, tudo no segundo livro é tribulação, e a vida é um embate contínuo contra os limites –financeiros, culturais, morais– com os quais cada personagem, a seu modo, procura romper.
A via dos estudos não se mostra mais como o caminho reto que, em "A Amiga Genial", prometia afastá-las da existência tacanha ditada por sua origem.
Há um enorme desencanto em perceber que, para uns, tudo é concedido pelo simples fato de haverem nascido no lugar certo –e que essa diferença nenhum empenho educacional pode apagar.
História Do Novo Sobrenome |
Elena Ferrante |
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Diante dessa realidade, a única forma de não desistir é descobrir, dentro de si, algo que não dependa do estamento social, mas do indivíduo.
O caminho que resta é, no final, aquele que habitara os sonhos infantis de Lenu e Lila. Se bem tampouco se anuncie rósea, a via que se oferece como meio de superação não é outra senão a da arte.
HISTÓRIA DO NOVO SOBRENOME
AUTORA Elena Ferrante
TRADUÇÃO Maurício Santana Dias
EDITORA Biblioteca Azul
QUANTO R$ 44,90 (471 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo