Folha de S. Paulo


Vencedor do É Tudo Verdade mostra reencontro de pai e filho na Copa

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Na verdade, o filme "O Futebol" é tudo, menos futebol. Vencedor da última edição do festival É Tudo Verdade, o documentário de Sérgio Oksman estreia nesta quinta (21).

"O futebol não é metáfora de nada, não significa nada", diz o diretor, descartando de antemão qualquer analogia que se possa fazer entre o que ocorre no campo e fora dele.

Pra começar, "O Futebol" é sobre o reencontro entre o diretor, paulista radicado na Espanha, e seu pai, Simão, de quem permanecia distante havia 20 anos. O cineasta firmou um pacto com o pai para juntos passarem a Copa do Mundo de 2014 em São Paulo e documentar tudo em filme.

"O que eu queria era capturar o tédio de duas pessoas perdendo o tempo juntas enquanto algo acontece lá fora."

Os dois são praticamente desconhecidos. O pai sequer sabe em que cidade o filho mora: "Madri ou Barcelona?".

É também um filme sobre o silêncio. Os dois não sabem muito o que dizer um ao outro. Cruzando a cidade de carro, com a câmera no banco de trás, quebram o desconforto falando de amenidades.

Surge conexão quando o assunto resvala no nome de algum jogador das antigas ou no placar de disputa passada. "É o léxico familiar: o futebol é o ponto de intersecção entre os dois", diz Sergio, que já retratou o universo do esporte em documentários para a TV.

"O Futebol" aborda também das esquivas –as retóricas, não as esportivas, claro.

Tentando recuperar uma tradição perdida lá na infância, Sérgio tenta levar o pai para assistir a um dos jogos da Copa no Itaquerão. "Em dia de semana não dá" é a resposta que ouve de Simão.

Acabam indo de carro. Sem ingressos, do lado de fora, contemplam o "clarão" de concreto e tentam distinguir os gritos. "Isso aí não é gol. É grito de algum lance perdido."

Divulgação
Sérgio Oksman (à esq.) assiste a jogo da Copa em cena do documentário
Sérgio Oksman (à esq.) assiste a jogo da Copa em cena do documentário

Quando o diretor tenta cavucar as chagas familiares, pergunta o que se passou no dia em que o pai taciturno saiu de casa, várias décadas atrás, Simão se safa. Só a câmera é capaz de enquadrá-lo.

"Sérgio, posso ir embora, pelo amor de Deus?", questiona o pai a certa altura, incomodado com aquela câmera que não para de perscrutá-lo.

O diretor descarta, contudo, qualquer objetivo terapêutico ao fazer um filme sobre a reunião com o pai estremecido. "Uma coisa é o que eu vivi; outra é como represento."

Para o diretor, seu pai é o "coautor do documentário".

"Ele é tão natural que passa a impressão de estar sendo registrado sem perceber."

SEM 7 x 1

O filme trata também da força do inesperado. Ou da "tensão entre o que está sob controle do cineasta e a realidade, que se manifesta de forma selvagem", define o diretor.

Com o pai subitamente internado, o infame 7 x 1 é acompanhado nas TVs do hospital.

Por fim, é sobre um Mundial que pouco dá as caras nas ruas. "Não tem clima de Copa, né?", diz o pai, cruzando de carro a rua da Consolação.

Na porta de um desses genéricos botecos de esquina, Simão entoa "Aquarela do Brasil" quando vê um sujeito enrolado na bandeira. "Aquele lugar cinza, triste contrastava com o que ele cantava."

E o futebol? "Gosto de usá-lo como metodologia do trabalho cinematográfico", afirma o diretor. "Assim como num filme, as regras já estão definidas antes de ele começar. Mas nunca se sabe o que vai acontecer ali no meio."


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