Folha de S. Paulo


RÉPLICA

Desconfiança inquisidora rebaixa ganhos de 'Os Dez Mandamentos'

Em um sábado de fevereiro, a aposentada Carmen dos Santos, 82, saiu de sua casa em Guarulhos para ir ao cinema pela primeira vez na vida. O filme escolhido: "Os Dez Mandamentos". "Nunca tinha entrado numa sala de cinema. Fiquei impressionada e emocionada", disse.

Parte expressiva do público de "Os Dez Mandamentos" não tem o hábito de frequentar o cinema. Está aí um dos ganhos inegáveis dessa produção. "Eu nem sabia que ainda existiam tantas pessoas com esse perfil no país", comenta Marcio Fraccaroli, diretor da Paris Filmes, distribuidora do longa.

A reprodução do império egípcio, as cenas impressionantes das pragas e a abertura do mar Vermelho, produzidas nos melhores estúdios americanos, foram ignoradas pela reportagem "Não Mentirás", publicada na última segunda (11) no caderno "Ilustrada" desta Folha.

Também foram desprezados o trabalho de atores consagrados –como Paulo Gorgulho, Denise Del Vecchio e Zé Carlos Machado–, o investimento de R$ 80 milhões em dramaturgia feito pela Record e, sobretudo, corações e mentes que se apaixonaram pela obra.

O público que foi ver Moisés na telona sabia da novela da Record que originou o longa. Sucesso na TV aberta, o folhetim impôs uma derrota marcante para a TV Globo no horário nobre. Em vez de violência, o público preferiu a libertação.

Seria um erro infantil não relacionar a audiência da novela com o resultado do filme. A primeira temporada começou com 16 pontos. Cinco meses depois chegou à liderança, com 32 pontos de média. O Brasil parou para ver a abertura do mar Vermelho.

Hoje, a novela é líder de audiência em Angola, Argentina, Portugal e Chile. E segue fazendo sucesso aqui no país. A fórmula é simples: uma história da Bíblia no formato mais apreciado pelo público –o audiovisual. Num país de 45 milhões de evangélicos, segundo o IBGE, como uma narrativa religiosa não teria tanta força?

O argumento para minimizar o sucesso do filme, a ocupação parcial das salas de cinema, é ingênuo. Nem todos que tinham ingresso foram ver o longa. Mas quantos dos 11 milhões de espectadores estavam com o bilhete e não puderam ir? Por que chamar o fenômeno de "mentiroso"?

A própria reportagem diz que a taxa de ocupação foi de 70%. E que a venda antecipada de bilhetes já ocorreu em outros filmes religiosos, justamente porque há participação de fãs engajados.

PRECONCEITO

Ocorreram sessões organizadas para grupos de escolas, asilos e orfanatos financiadas por voluntários. Qual o mal? Isso se chama filantropia. O filme foi exibido para indígenas, policiais, bombeiros, detentos, comunidades carentes e freiras da Igreja Católica. O profeta herói apareceu na telona da Hebraica, o principal clube judaico do Brasil. E a sala estava repleta. Eu estava lá.

As imagens de salas lotadas estão por todos os lados nas redes e nas reportagens de TV. Em 11 semanas, foram 111 mil sessões em mil salas de 350 cidades. Aliás, o filme já foi vendido para 16 países, outra prova do seu potencial.

E mais: o exibidor não o manteria em cartaz se as salas estivessem vazias, diminuindo receita com a venda de pipoca, refrigerante e doce, que corresponde a 60% do faturamento. Por que menosprezar um produto de sucesso que tantos milhões de brasileiros admiram?

O preconceito impõe às religiões evangélicas um rótulo de "fé menor", fazendo com que os ganhos para o cinema sejam rebaixados em função da desconfiança inquisidora. O país do ódio, das crises política e econômica, tem relação com a escolha dos espectadores pela esperança no futuro. O filme "Os Dez Mandamentos" possui muito a ensinar para o Brasil.


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