Folha de S. Paulo


Coveiros cantam e zumbis bailam na comédia 'Sinfonia da Necrópole'

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"A terra comerá nossos tecidos/ Rostos e nomes serão esquecidos/ Só restarão nossos jazigos", entoa um coro de cadáveres no filme "Sinfonia da Necrópole", que estreou nesta quinta-feira (14).

Da única certeza da vida –garantia de serviço que nunca falta aos coveiros da trama– a diretora paulista Juliana Rojas, 34, extraiu mórbido estofo para rodar uma comédia musical praticamente toda encenada num cemitério.

"Já que esses ambientes carregam uma coisa pesada, achava importante que o filme fosse leve", diz a diretora. "A ruptura da linguagem ajuda o espectador embarcar."

Ajuda também a digerir um pano de fundo –o tema da especulação imobiliária– que corria sério risco de tornar o filme uma obra bastante enfadonha não fosse a proposta tão original do longa.

Deodato (Eduardo Gomes) é um relutante aprendiz de coveiro que tem pavor de gente morta. "Ás vezes me dá uma agonia, aperto no peito", resmunga o personagem.

Alento ele recebe quando chega Jaqueline (Luciana Paes), funcionária com a tarefa de recadastrar os túmulos para uma reforma. Ou "verticalizar para otimizar", como canta o gerente do cemitério. Afinal, "a necrópole é um espelho da cidade".

"O cemitério é alegoria da cidade: cresce e, na busca por mais espaço, vai destruindo a própria memória arquitetônica", explica a cineasta, que diz manter o hábito de perambular por esse tipo de ambiente sempre que vai a outras cidades. "Nunca achei o cemitério um lugar pesado."

A premissa está armada para uma trama cheia de números coreografados e encenados por coveiros sambistas e mortos-vivos que fazem rir do trágico, algo na linha do grupo de humor britânico Monty Python, que no filme "A Vida de Brian" (1979) cantava que a "morte é uma piada".

BRECHT COM DISNEY

Rojas diz que "Sinfonia" tem um caldo de Brecht temperado com Disney. Do dramaturgo alemão, expoente do teatro épico, vêm a música e o humor usados para discutir uma questão social. No pai do Mickey ela buscou a ideia de que os números musicais transitem por entre os gêneros: drama, terror, comédia...

O cineasta Marco Dutra, com quem ela dirigiu "Trabalhar Cansa" (2011), ajudou na composição de parte das canções, hábito que os parceiros cultivam desde a época em que eram colegas de faculdade na Escola de Comunicação e Artes da USP e faziam "musiquinhas de brincadeira".

Juliana Rojas e Dutra fazem parte do Filmes do Caixote, grupo de realizadores que têm arejado o cinema paulista com longas que destoam da polarização drama social versus comédia escrachada.

"Trabalhar Cansa" tinha elementos de terror. "O Que se Move" (2013), de Caetano Gotardo, trazia números musicais. "Quando Eu Era Vivo" (2014), dirigido por Dutra, algo de suspense psicológico.

Diferente de uma produtora cinematográfica, a Filmes do Caixote é um "coletivo criativo", segundo Rojas. "Não temos o perfil de produtores. O interesse do grupo é focar a parte criativa mesmo e buscar produtores de fora", afirma.

Entre os próximos projetos do Caixote estão "As Boas Maneiras", filme de terror que deve ser lançado em 2017. Na trama dirigida por Rojas e Dutra, uma babá tem de cuidar de uma "criança especial", descreve a diretora, sem detalhar.

Troque "especial" por "monstruoso": o projeto tem sido descrito como um "O Bebê de Rosemary" com elementos paulistanos, algo comum às obras do Caixote, que já exploraram o que há de soturno nos mercadinhos de bairro (em "Trabalhar Cansa") e solitários apartamentos da cidade ("Quando Eu Era Vivo").

"Quanto mais familiar for o ambiente em que o fantástico ocorrer, mais perturbador para o espectador", diz Rojas.


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