Folha de S. Paulo


Depois de largar vício em cocaína, ex-Internética da Band lança livro

De biquíni azul clarinho, Marina Filizola anda pela praia, molha os pés na água e os homens começam a gritar pelo salva-vidas. Quando vê que o salvador é Paulo Zulu, ela finge um desmaio –e a cena termina com o modelo sem fôlego de tanto fazer respiração boca a boca.

"Beijei muito aquele homem!", ela ri. A cena se passa em um comercial de sandálias. Marina foi modelo de propagandas como essa, trapezista, atriz em minissérie da TV Globo, musa de programa da Band, atleta de sucesso, participante de reality show –e hoje é escritora.

Mas, vinda de uma família rica –conhecida por fabricar as balanças Filizola–, perdeu o equilíbrio.

Nas várias profissões, uma acompanhante estava sempre ali: a cocaína, que, diz a autora, quase a levou à destruição. A história dessa dependência, da qual está livre desde 2012, aparece misturada a uma dose de ficção nos textos de"Leite em Pó - Crônicas de um Vício", livro de estreia de Marina, 35.

As drogas chegaram cedo, aos 15, como um jeito de fazer amigos. "Usei socialmente, muito bem, obrigado. Mas a progressão da doença te leva ao isolamento, é a doença da autodestruição", diz Marina.

VERBORRAGIA

Esta é uma história que a escritora conta feito uma metralhadora: palavra atrás de palavra, seguida de palavra. O mesmo tom verborrágico está nas crônicas do seu livro.

São textos que passeiam pelo submundo, pelas festas regadas a pó –mas também pela maternidade, daí o título do livro. A obra traz um lado de ser mãe politicamente incorreto –uma narradora que ama o filho, mas odeia a maternidade.

Na vida real, junto aos Narcóticos Anônimos, Marina passou a frequentar as oficinas literárias de Marcelino Freire, seu padrinho na escrita. Durante sua recuperação, ela engravidou de Logan, hoje com dois anos.

Ralou escrevendo quase quatro anos "em busca da própria voz". Encontrou-a quando Marcelino, em um exercício, lhe pediu para escrever "um texto proibido para os fiscais da alfândega".

"Quando ela percebe que a literatura é esse jogo livre, ali aparece a voz da Marina. Um escritor inaugura um olhar para as coisas. E ela faz isso com muita graça e contundência", afirma Marcelino.

TRAPÉZIO

Graça e contundência ela não aplicou só à literatura. Caçula de quatro, foi a primeira a sair de casa, aos 17 anos. Já trabalhava como modelo, após ser abordada na porta da escola. Por jogar handebol, era a queridinha dos comerciais de tênis esportivos e isotônicos.

Com Marina era tudo ao mesmo tempo. Depois do handebol, se jogou no circo –literalmente, porque era trapezista aérea. Gostava de estar nas alturas, brigando com limites.

Na mesma época, encarnou a Internética no programa "O+", da Band. Era uma moça que ficava de calcinha e sutiã em uma gaiola de vidro, para fazer adolescentes babarem.

"Comprei meu apartamento, meu carro. Ganhava um salário altíssimo para ficar numa casa de vidro com a bunda para cima!", diz Marina.

Também trabalhou como atriz. Chegou a dançar no "cabaré" de Vera Fischer na série "Amazônia", na Globo –dividia o camarim com uma atriz do canal que também tinha intimidade com a droga.

Marina diz ter achado televisão um mundo de muita vaidade. Foi fazer canoagem havaiana –e foi cinco vezes campeã brasileira da modalidade. "Não tinha antidopping no Brasil", diz.

Leite Em Pó
Marina Filizola
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Comprar

O pó e o sucesso pareciam estar lado a lado. Até que o caldo entornou. Passou a se drogar com mais intensidade, a isolar-se, a mentir para a família – a ir comprar sua droga chorando por não conseguir se conter. No fim, ela conta, mesmo os traficantes a evitavam. Não queriam menina de posses levantando suspeita na boca de fumo.

Um momento marcante foi quando seu cachorro passou a não comer –e a dona ouviu de um veterinário que ele a estava imitando. Hoje, Marina fica com os olhos marejados ao contar essa história.

Livre do vício há três anos e meio –também não bebe álcool nem café–, ela acha que loucura mesmo é a lucidez. "A real loucura é ficar sóbrio e aguentar tudo. É terminar o dia sem abrir uma cerveja e um papelote. Agora sim eu estou bem louca, muito mais louca do que quando eu achava que era louca".

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LEIA TRECHO DE 'LEITE EM PÓ'

"Juntei na balança 500 gramas de efedrina lidocaína cafeína e benzocaína (...). Tudo bem fresquinho, na temperatura perfeita. Juntei com o meio quilo de porcaria que tinha chegado em nossas mãos, e, em poucos segundos, virou quase um quilo venenoso da pior das piores drogas que o mercado poderia ter. Salpiquei a mistura final com remédio para matar vermes e baratas, que destruía de verdade com os usuários, deixava eles de olho vidrado, como ratos dopados andando de um lado para o outro, suando, cheio de tiques e com uma tremedeira do além, completamente paranoicos."


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