Folha de S. Paulo


'Rua Cloverfield, 10' nada contra a corrente e nasce cercado de segredos

Trailer

O cinemão hollywoodiano vive de megalomania. Dezenas de trailers, anúncios caros, investimentos em redes sociais e centenas de produtos fazem parte das campanhas que quase não deixam surpresa ao espectador.

"Rua Cloverfield, 10", produção de J.J. Abrams (diretor de "Star Wars – O Despertar da Força"), segue via oposta.

Até 15 de janeiro, ninguém sabia da existência do longa, cujo trailer adiantava uma suposta continuação da ficção científica "Cloverfield: Monstro", sucesso de 2008.

Não dizia muito. Seria protagonizado por John Goodman ("O Grande Lebowski") e Mary Elizabeth Winstead ("Scott Pilgrim") e se passaria em um bunker que poderia ser um refúgio no meio do apocalipse. Além disso, estrearia dois meses depois nos EUA, um tapa na cara dos executivos que gastam anos e milhões para antecipar blockbusters –"Batman vs Superman" gastou US$ 200 milhões em marketing.

Já "Rua Cloverfield, 10" custou US$ 15 milhões. "É um alívio fazer algo assim quando o entretenimento é tão dissecado. Gosto de mistérios, não quero revelar como o coelho sai da cartola", diz John Goodman à Folha.

O ator faz o papel do estranho sujeito que mantém Michelle (Winstead) e Emmett (John Gallagher Jr.) presos em um abrigo nuclear. "Nunca interpretei alguém assim. Tentei compreender seu ponto de vista distorcido, mas não gosto dele."

Goodman, apesar de ser um dos maiores atores americanos, não é o tipo de atrair multidões aos cinemas ""e o mesmo pode ser dito por Winstead e Gallagher Jr., da série "The Newsroom". Mas a escolha foi benéfica à aura de mistério ao redor do filme.

"Não sabia que era segredo", brinca Goodman. "Apenas pediram para não contar nada sobre as reviravoltas da trama. Até esqueci disso depois, mas acho que não vão tomar minha casa."

O longa foi filmado num estúdio perto de Nova Orleans por Dan Trachtenberg, um diretor de primeira viagem, sem nenhum paparazzo em volta.

"Parecia que estávamos em uma bolha, então não foi difícil manter segredo nas filmagens", conta Winstead.

Havia uma proteção ainda maior, na verdade. Nenhum dos atores sabia que aquelas filmagens, intituladas de "Valencia", seriam parte de um plano maior de Abrams e da sua produtora, a Bad Robot.

"Me senti um pouco culpado", diverte-se Trachtenberg, fã de Steven Spielberg.

"Meus amigos mais próximos sabiam que eu estava fazendo um filme, mas não conheciam o título nem o roteiro. Eu queria gritar para todo mundo, mas foi uma experiência interessante ver a reação deles ao ver meu nome no novo 'Cloverfield'."

FRANQUIA

"Novo 'Cloverfield'" não é figura de linguagem. A ficção não é um exemplar normal de franquia. Não é uma continuação, não é um derivado nem mesmo um prequel.

A obra integra o universo "Cloverfield" como um episódio de "Além da Imaginação", com personagens e cenários inéditos, mas num contexto de fantasia similar.

O roteiro foi comprado pela Bad Robot quando se chamava "O Porão", escrito por Josh Campbell e Matthew Stuecken. Abrams logo notou o potencial para criar uma franquia diferente e chamou o talentoso garoto Damien Chazelle para reescrever o roteiro e dirigir o filme –ele saiu para tocar seu outro projeto, "Whiplash".

"Quando assumi, o roteiro já estava adaptado a esse universo mais amplo", diz Trachtenberg. "Agradecerei a Damien para sempre. Ele fez um baita filme e ainda me deu a oportunidade de dirigir o meu longa", admite o cineasta.

Até agora, tudo tem dado certo para a produção. Foi positivamente aceita pelos críticos nos EUA e rendeu US$ 30 milhões em quatro dias. Nada mal para um filme barato e com três atores confinados em um bunker.

"Quando filmamos, ainda se chamava 'O Bunker' ou algo do tipo", recorda-se John Goodman. "Quem diabos assistiria a isso? Talvez Hitler! Ainda bem que mudaram."


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