Folha de S. Paulo


Imerso na efervescência política, Lobão lança primeiro disco em 10 anos

Veja

Na efervescência política, o cantor Lobão, 58, ocupou espaço nos últimos anos como protagonista de ações contra o governo de Dilma Rousseff. Agora, com a possibilidade do impeachment no centro do noticiário, ele lança o CD "O Rigor e a Misericórdia".

Lobão escreveu todas as canções, tocou todos os instrumentos e produziu o trabalho. "Fiquei feliz porque o disco não tem nada que deva ser jogado fora, tudo está no lugar. Acho que devo estar com uma saúde mental muito grande, porque meu mapa mental está bem organizado."

Lobão deu entrevista no estúdio montado em sua casa, no bairro paulistano do Sumaré, onde ele gravou este que é seu 13º álbum de inéditas. É ali que ele quer passar cada vez mais tempo, tocando e monitorando a internet.

Lobão teve dois episódios que repercutiram muito nos últimos dias. Um deles foi a publicação de duas cartas on-line dirigidas a Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil, com intervalo de uma semana.

Na primeira, propôs entendimento com os desafetos. Na segunda, publicada no domingo (3), criticou a falta de resposta do trio e pediu a Chico que se desculpe ao povo brasileiro pela falência de sua crença ideológica.

O outro episódio é a divulgação do endereço do filho do ministro do STF Teori Zavascki para chamar protestos. "Não fui eu", rebate. "Retuitei do Br45il No Corrupt e isso foi retuitado por não sei quantas mil pessoas. Não vi que a mensagem trazia o endereço. Não fui o autor intelectual."

Folha - É o primeiro disco em dez anos. Por que demorou?

Lobão - Fiquei num impasse porque queria aprender, fazer meu melhor disco. É o meu disco mais bem tocado e gravado, as letras estão num patamar tão bom quanto as de "A Vida É Doce", de 1999.

Por que é melhor?

Agora sei exatamente o que eu quero. Em "Ação Fantasmagórica à Distância", quis fazer uma coisa com a viola caipira, sem tanta sofisticação. Mas fiz umas inversões de acordes muito ricas, porque toquei muito choro.

Comecei a estudar violão clássico, estudei todo o repertório do Garoto, toco tudo de Villa-Lobos, exceto os concertos. Toco Paulinho da Viola, que eu adoro, acho que é o grande compositor brasileiro vivo. Ele me emociona.

São vários gêneros, não?

Quando o disco é suave, é bem leve mesmo. "Uma Ilha na Lua" é de uma delicadeza, fiz para meus gatinhos. Tem a música em espanhol, "Lo que Es la Soledad em Ser lo que Somos?", que me lembra os festivais da canção. Elas convivem com o som pesado. Esse lado leve veio forte devido aos apagões nesta região. Passava até cinco horas sem luz, então veio à tona uma produção de músicas acústicas.

E há o rock pesado.

Tem uma coisa Humble Pie, Free, Deep Purple, toda a minha formação musical. Foi a primeira vez que pensei "Chega de querer ser moderno! Vou pegar aquela sonoridade, como se fosse um elo perdido, vou transportar para a modernidade." Mudou o viés das minhas letras, porque eu era um cara pluvial, o rei da chuva, agora o disco é mais solar. Tem gente que acha muito sombrio.

Tem citação de Paulinho da Viola, de Canhoto da Paraíba. Na hora em que fui cantar "O Rigor e a Misericórdia" eu me lembrei do Zé Ramalho.

O que espera do disco?

Depois de dez anos para fazer um disco, eu tive de me convencer de não ter a menor expectativa sobre como as pessoas vão recebê-lo. Eu fiz um disco pra mim.

Qual seu público hoje?

Eu consegui um público muito fiel. Por eu escrever os livros, teve gente que me conheceu pela biografia e ficou curiosa pela música. Isso gera uma intimidade muito grande e multigeracional. Tenho fã de 60 anos e fã de 12 anos, e eles levam meus livros no meu show. Isso é uma dádiva.

Acha que o público consegue escutar seu disco sem associá-lo a sua atuação política?

Não, e eu tô cagando um balde pra isso. Acho errado separar a pessoa do artista. Tenho plena consciência do que estou falando, mais do que nunca agora, quando tudo está aparecendo. As pessoas dizem que eu falo um monte de merda, mas será que não estão vendo que aquilo que eu falo há dez anos está aí?

Fãs antigos atacam você?

Sim, eles falam que vão queimar meus discos, postam fotos usando os CDs como descanso de copo. Dizem que eu sou um ex-roqueiro, um ex-músico, até um ex-Lobão!

Nessa carta dirigida a Chico, Caetano e Gil, eu tentei fazer um exercício amoroso para que não exista outro linchamento. Chega de Simonais! [Ele se refere a Wilson Simonal, que teve a carreira prejudicada quando acusado de delator no regime militar]. Não quero fazer com os outros o que fizeram comigo.

Vivemos um totalitarismo cultural, esse coronelato que se fez em torno da tropicália. Essa tríade, Chico, Caetano e Gil, eles têm poder. Se há dez anos o Chico Buarque tivesse dito que não era mais PT, como eu fiz, o PT já tinha caído.

O que precisa mudar?

A atitude de coronelato. Você tem que cumprir um beija-mão com essa rapaziada ou você não passa. Quem tem acesso ao Ministério da Cultura? O PCdoB é o dono do feudo. As capitanias hereditárias da tropicália. Isso tem que mudar, mas acho que a gente tem que ser muito cuidadoso. Chega de gente ser varrida do mapa.

Eu sugiro também a queda da meia-entrada. Uma intervenção absurda no meu trabalho. Você vai ao dentista e vai mostrar carteirinha para pagar metade? São 50% menos no seu ordenado, cara! E temos que ter isenção de impostos para as casas de espetáculo, para que possam concorrer com o Sesc.

A carta foi uma jogada?

Tem uns que desconfiam da minha sinceridade, tem outros que acham que eu amarelei, mas a carta não tem ironia, é sincera.

Ela não é uma carta de desculpas, é um introito para a questão: sabemos que este governo está acabado. Não é uma questão de ideologia, porque está na seara da criminalidade. Estou do lado que venceu, depois de passar dez anos falando sozinho.

Foi uma luta pessoal?

Antes você não podia falar que não era de esquerda porque você era um merda, uma figura execrável, era "simonalizado". E as pessoas têm que entender que não apenas o Simonal foi "simonalizado", foram também Os Incríveis, Dom e Ravel, Antonio Carlos e Jocafi, Maria Creuza, uma porrada de gente. Tentaram fazer isso comigo e eu falei logo de cara: "Sou absolutamente insimonalizável!". Enfrentei isso com bom humor.


Endereço da página:

Links no texto: