Contar uma história, nos cochicharam os mestres da ficção, é mais importante do que vivê-la. O que não foi contado não foi vivido —ou viveu-se pela metade.
A história vivida pelo jornalista Marcelo Tieppo, com tintas de romance, deixou de ser um drama íntimo quando ele decidiu contá-la, no recém-lançado "Tocando a Vida - Uma Travessia para Continuar na Briga" (Letras do Brasil).
Não é uma história banal nem fácil de ser contada, tanto menos na primeira pessoa.
| Arquivo Pessoal | ||
 |
||
| Marcelo Tieppo, autor de 'Tocando a Vida', em Paris, em 2014 |
Tieppo, paulistano de 48 anos, narra como enfrenta, desde 2009, um câncer de pulmão com metástase no fígado. O faz em tom coloquial, numa chave entre o diário e a crônica, e incorpora leveza a um tema de chumbo ao mesclar seus relatos a canções dos Beatles, dos quais é fã. As músicas da banda mais popular da história batizam os capítulos e, ele conta, o ajudaram a enfrentar a dureza do tratamento.
O autor já se submeteu a cinco cirurgias, a primeira de pulmão, as restantes no fígado, e hoje, como diz no título, toca a vida –trabalha numa emissora de TV, viaja com a família, não abre mão do chope.
Tieppo começou a contar sua batalha num blog, cujos relatos aprimorou no livro.
Diz ter tomado a decisão ao perceber, pela repercussão no blog, "que isso de alguma forma poderia ajudar outras pessoas". "Estava na praia quando um amigo contou que tinha indicado meu blog para um tio dele que estava abatido com o câncer, porque ele achava bacana a forma como eu encarava a doença".
"E para tentar passar um pouco de esperança, porque o câncer tem essa característica de carimbar o sujeito com a morte, embora isso esteja mudando com o avanço da medicina", disse Tieppo à Folha.
As angústias, a prepotência de alguns chefes no trabalho durante o tratamento, o histórico familiar com a doença, que levou parentes, inclusive uma irmã —tudo é contado com detalhes, mas sem autocompaixão.
Há passagens esclarecedoras sobre a dificuldade de lidar socialmente com uma doença que ainda é tabu, como quando, sem ser consultado, é transferido de setor na emissora de TV em que trabalhava e percebe que os novos chefes não haviam sido alertados do seu câncer pelos anteriores:
"Não é fácil contar para outras pessoas que você tem câncer, assim como não é fácil ouvir isso. As pessoas não sabem direito como reagir. Com o tempo, você acaba percebendo o desconforto e fazendo um esforço para deixá-las menos incomodadas. Há uma inversão de valores".
Tieppo escreve que se considera um vencedor, pois só 50% dos que têm o tipo de câncer enfrentado por ele superam esse período de vida.
E, lá pelo fim do relato, traduz sua disposição diante dos estorvos que lhe surgem reproduzindo em português um trecho de um clássico dos Beatles, "Here Comes the Sun": "Tem sido um inverno longo, frio e solitário. Mas lá vem o sol e eu digo que está tudo bem".