Folha de S. Paulo


CRÍTICA

Drama islandês evoca Fellini com galeria de 'adultos infantis'

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Se a memória do crítico não falha, nunca antes na história deste país dois filmes islandeses estiveram em cartaz ao mesmo tempo. E depois dizem que o Brasil não está mudando. Com "A Ovelha Negra" encerrando sua carreira nos cinemas, entra em cartaz "Desajustados".

Os dois têm em comum o caráter minimalista: dramas cômicos com poucos personagens e grandes atores, com poucos acontecimentos externos e grandes transformações internas.

Ambos receberam títulos no Brasil ligeiramente deturpados. "Desajustados" chamava-se apenas "Fúsi", nome do protagonista.

Divulgação
Cena de
Gunnar Jónsson como Fúsi, protagonista de 'Desajustados', de Dagur Kári

A princípio, estranha-se não só a moral, mas o plural do título, já que no primeiro momento parece haver um único desajustado nessa história, justamente Fúsi (Gunnar Jónsson).

Ele é um adulto obeso, virgem, que ainda vive com a mãe, trabalha carregando bagagem no aeroporto (onde sofre bullying dos colegas) e gasta seu tempo livre brincando de batalhas da Segunda Guerra com miniaturas.

Sua rotina de humilhações, rejeição e isolamento é abalada quando o namorado de sua mãe lhe dá de presente um curso de dança country.

Ali ele conhece a efusiva Sjofn (Ilmur Kristjánsdóttir), que se apresenta como florista, lhe pede uma carona e lhe dá alguma atenção.

Fúsi logo nota que Sjofn não é o que parece: ela trabalha como lixeira e sofre de depressão. Ainda assim, se apaixona.

A partir daí, começa a ficar claro que o plural do título brasileiro faz sentido. Cada personagem se revela um desajustado à sua própria maneira: a mãe que prende o filho em casa, os colegas de trabalho agressivos e assim por diante.

Já Fúsi, com sua bonomia e passividade bovinas, desponta como o mais complexo ser humano do seu entorno.

O protagonista de "Desajustados" se inscreve em uma galeria de adultos infantis que se chocam com um mundo que perdeu a inocência –como a Giuletta Masina de "A Estrada da Vida" (1954), de Fellini, ou o Ernest Bornigne em "Marty" (1955), de Delbert Mann.

Não existe maior elogio ao filme do que dizer que ele não faz feio diante dessas referências monumentais –graças, sobretudo, ao trabalho delicado de Gunnar Jónsson, que contrasta com seu tamanho.

Por entrar em um território cinematográfico já explorado, o diretor Dagur Kari ("O Albino Nói", "O Bom Coração") não consegue evitar trombar aqui e ali com um clichê, de deixar a sensação de um andamento previsível.

Em vez de contorná-los, ele prefere assumi-los discretamente, mas com o cuidado de escapar do risco do sentimentalismo e deixar os holofotes para a construção do personagem e o trabalho do ator.

Ao fim, "Desajustados" cumpre o que se propôs: fazer com que nós não só nos importemos com Fúsi, mas também torçamos por sua felicidade.

DESAJUSTADOS
DIREÇÃO Dagur Kári
ELENCO Gunnar Jónsson, Ilmur Kristjánsdóttir
PRODUÇÃO Dinamarca, Islândia, 2015, 14 anos
QUANDO estreia nesta quinta (24)


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